Meu adorado Filho,
Nem sei por onde começar.
Tenho-lhe escrito, ou talvez transcrito - apenas mentalmente - as nossas conversas, numa procrastinação preguiçosa, ao longo de vergonhosos e miseráveis cinquenta e oito dias, nos quais no todo, e em cada um, me tem faltado a coragem, após mais um dia de trabalho insano, de pegar no meu querido Mac e de lhe escrever.
Na triste e soturna realidade em que se tornou a nossa "Lisboa" - e já lhe irei contar sobre isso - numa cada vez maior loucura de trabalho, vivido num manicómio de símios meios tresloucados, pouco do meu cérebro tem tido ainda alguma réstia de sanidade e, sobretudo, de tenacidade, para encontrar as forças para lhe escrever, porque é muito, mas muito mais fácil "falar" consigo aqui do fundo do meu coração, onde não tenho de esforçar a minha voz, uma vez que os meus diálogos consigo são sussurrados em tom mesmo muito baixinho, no canto mais recôndito do músculo que (ainda) bate no meu peito, do que pegar em mais um teclado para "verbalizar", conquanto em tom emudecido, tudo o que lhe quero dizer, tudo o que lhe quero contar, tudo o que lhe quero confessar.
Em retrospectiva, passámos um Natal diferente, porque de Paz. Juntámos as gerações, os meus, os teus e os nossos (Sonhos), e fizemos acontecer.
Assámos um perú, que esteve de molho dentro da mala do Ibiza, porque, do alto dos seus cinco (para a Oma aldrabados seis quilos), não caberia jamais neste frigorífico, nem que acontecesse um milagre natalício. Pedimos uma tábua emprestada ao Senhor Ramiro, e com um estrado de cama, e uns pés de metal do Covil, "improvisámos" uma mesa natalícia onde não - e sobretudo - faltou o AMOR! Foi um Natal de Paz, de sorrisos, de gargalhadas, de boa disposição.
Seguiu-se a passagem de ano, tudo o que eu tinha sonhado, numa simplicidade vivida e renascida numa alegre Casinha situada no Campo. Vieram os Amigos de Belas, e foi tão, mas tão divertido! É bom sentir-me acolhida e protegida nesta extensão do "Espelho" de quem sou.
Janeiro entrou com aquele ar gelado do mês mais frio do Zodíaco, com mil e uma peripécias sobre as quais não vale a pena falar, porque cristalizadas num floco congelado sem qualquer significado para além de nos infernizar e amargurar a (nova) vida. Mas até Janeiro tem os seus dias contados, trinta e uma (des)venturas, e eis que estamos em Fevereiro.
Os dias cresceram, numa luta vencedora contra a noite, numa batalha pela Luz, aquela que queremos nas nossas existências, sejam elas mais longas ou mais curtas, desde que tenham significado. E como o Santo, o São Valentim sem a comercialização e o consumismo associados, aquele Santo santificado que entende o que é o Amor - e perder um Filho sem morrermos, é um acto desse mesmo AMOR - achou que já tinha "saudades" - aquele sentimento constante que nem vale a pena descrever mais uma vez, porque só os Orfãos de Filhos entendem - e mandou-me mais um Sinal seu.
E neste dia do Amor, eu, mais uma, vez agradeço. Agradeço por - novecentos e vinte e oito dias depois, continuar a ser sua Mãe, agora já não apenas na Terra, mas - sobretudo - no Céu! Agradeço por tudo o que me trouxe, seja no milagre da Paz que finalmente me invade, seja pela força que sinto pela coragem que tive em abraçar - mais uma vez - a solidão do Desconhecido, sem medo, sem receio, sem pânico, porque eu sei que toda eu sou...COSMOS!
Sou PAZ e sou GRATIDÃO, toda eu, e com isto me consigo (e)levar.
Entre uma Lisboa que nos mete medo quando andamos de Metro(politano) com audácia, mas também com desilusão relativamente à minoria que agora representamos, e um Campo pelo qual lutamos ferozmente pelo nosso (justo) Lugar, SOMOS!
E continuamos nesta Caminhada. Você, eu, e todos aqueles que levamos no nosso coração.
Vivi mil Vidas, ou vidas, depende da perspectiva. Prefiro o copo meio cheio: fiquemos por Vidas. Sou privilegiada: vivo entre, dentro, e nos dois planos. Sou PONTE, sou Mãe, sou a Ana, e...sobretudo...
sou GRATA!
Meu Filho, tinha tantas, mas tantas e ainda tantas saudades de um sinal seu, que nem sei como lhe agradecer este seu presente...Você escolhe os dias do calendário com a "souplesse" que sempre o caracterizou!
Martim...
...My Funny Valentine!
ADORO-TE!
Mil beijos da sua Mãe que o adora,
Mami