Tim do meu coração,
O tempo passa e a saudade aumenta, em vez de apaziguar. O frio instala-se, e encontro calor a olhar para o seu altar. Olho para as fotografias e custa-me, cada vez mais, a acreditar que nunca mais vou sentir o seu abraço, o calor desse aconchego, o cheirinho da sua pele.
A Oma está cá, veio antes do seu almoço de homenagem e sabe-me bem tê-la por perto. Ela entende a minha dor, mesmo no silêncio mascarado de normalidade, onde esta jamais voltará a existir. A Vida como a conheci é-me estranha, desconhecida, alienígena, pertence a outra pessoa. Isso é o que mais confusão me faz. Ter duas Vidas ou vidas, depende da perspectiva, numa só existência, não é nada fácil. É quase impossível. E a cada dia que passa - e fazendo um paralelismo com as brasas de uma lareira, como a que acendemos na tentativa de nos acalentar nestes dias gélidos, por mais que sopre o fole ou dê ao abanico, o brasido apaga-se, numa teimosia de um fogo fátuo, que jamais aquecerá o meu coração - penso quão efémero é o calor da Felicidade.
Porque, e só a si lhe confesso isto, baixinho, tudo me é indiferente, ou quase tudo: preocupo-me com o Mano, com a Oma, com o Pai e com o Miguel e com todos os Amigos, mas nada se compara à minha vida interior, a que partilho consigo. Pensar que nunca mais vou ouvir a sua voz, partilhar as suas mágoas e alegrar-me com as sua conquistas, pensar que não faz mais parte desta miséria de Mundo físico a que chamamos vida, leva-me o que resta da minha, num sopro final, num suspiro moribundo, numa dor sem fim.
Acho e agora muito fora de brincadeiras, e sem querer fazer política, que deveria haver um estatuto, consagrado na lei, para os pais de(s)filhados, uma possibilidade de apoio nas escolhas de (SOBRE)vivência, num apoio constante, porque só quem passa por isto entende a dimensão desta anormalidade. Que deveria haver retiros dedicados a nós, num carinho universal, em vez da crítica, porque nos desmanchamos a chorar quando na fila do supermercado, ou da bomba de gasolina, ou do restaurante e rapidamente tentamos disfarçar, porque as nossas lágrimas causam incómodo aos Outros. Um apoio nas escolhas de não nos matarmos, uma compreensão holística, um agradecimento pelo nosso sofrimento, mas não há nada. Há a burocracia, a papelada, a vergonha porque a nossa dor incomoda os Outros, o silêncio, porque a vida deles continua quando a nossa acabou.
A vida - propositadamente com minúscula - instalou-se, e a rotina passa-se a tratar das cabras, das ovelhas, a recolher os ovos, e a inventar coisas para fazer. Chove como se não houvesse amanhã - e não o há, de facto - o que torna difícil desfrutar do campo. À noite, depois de algumas excursões em tentativas de fuga para a frente, trabalho a madeira: pinto, colo, faço "découpage", restauro, reciclo. Como se de uma tentativa de reciclar a minha Alma moribunda se tratasse.
Claro que fiz da Quinta um Lar. Claro que está amorosa, quentinha, acolhedora, mas eu continuo gelada.
Encontro alguma Paz aqui em frente ao seu Altar, com mil memórias, e milhentas recordações, infinitos momentos de felicidade, mas que são apenas reminiscências de uma Vida que virou vida, ou sobrevivência, ou o que queiram chamar. Há a concha, mas a Vieira, ou a Pérola, ou qualquer que fosse o tesouro marinho que a mesma encerrava, não sobreviveu. Queria muito ir a Lisboa pelo seu aniversário, abrir o jazigo e chorar até morrer em frente às suas cinzas, mas sou uma cobarde e não sei se conseguirei. É melhor ficar aqui neste casulo campestre, entre dias que se sucedem sem conexão e, sobretudo, alienando as memórias, ou será que as vivendo e as perpetuando até ao meu âmago? Não sei.
Quando olho para as fotografias do seu altar, e vejo algumas consigo a "espalhar magia" com a mão esquerda, não posso deixar de sorrir. Como é possível Tim? Às vezes penso que estou dentro da espiral de um pesadelo, e que, quando acordar, vou ter uma mensagem sua, daquelas de voz, meio angustiada, a pedir conselho de Mãe.
Tim...o tempo não atenua, antes pelo contrário, aumenta, dilacera, rasga, em mil feridas que jamais irão sarar, o meu coração. E, contudo, o Mundo dos Outros, e também de alguma forma, o meu, continua a girar. As coisas acontecem, as estações mudam, anoitece cedo, e dia 24.11. você faria 27 anos. E eu olho para as fotografias estáticas, e, contudo, tão dinâmicas porque ilustrativas da sua passagem, e não quero acreditar. Não consigo.
Passaram pouco mais de três meses desde o dia em que morri consigo. O dia que me parece ter acontecido há milénios, em que me levou (quase) tudo. Nem acredito que foi há tão pouco tempo, e, conquanto, as saudades são imensuráveis. Neste tempo (todo) fizemos a sua despedida, comprou-se uma Quinta, fizeram-se obras, uma mudança, um almoço ÉPICO para 56 membros da "nossa" Família de Amor, e o Tempo deu lugar a um tempo sem fim, a dias escuros, sem qualquer vislumbre de Verão.
Tim...
Como é possível que em Julho você vibrava de Vida, de Esperança, de Força, e agora está no Céu? Estaremos no mesmo ano? Certamente que não.
Sinto-me sem forças Tim e não o querendo desapontar, desiludir, desencorajar, só me encontro neste mergulhar no desgosto que me assola. Levanto-me todos os dias, faço as rotinas, funciono, mas sou um espectro, um fantasma, um morto-vivo. Sou as reminiscências de um amor de Mãe. Mas não se zangue comigo. Prometi-lhe que não desistia, e cá estou. Vamos fazer o advento e o Natal, tudo como sempre fizemos, só que este ano com uma ementa inovadora. Não conseguiria fazer o Perú, com a agulha da sua trisavó, nem tudo aquilo que sempre foi tradição na nossa família. O Mano vai passar a véspera de Natal com o Pai ao Porto e cá na Quinta, somos três gatos pingados, e vamos fazer "raclette". É mais simples, e dia de Natal, terei uma ideia qualquer, irreverente, anarca e inovadora, para que seja Natal, mas um Natal diferente. Porque jamais será Natal de novo, aquele que você sabe que a Mami amava, em que tudo brilhava, em mil Estrelas acolhedoras e confortáveis, que nos levavam a sonhar, até você e o Mano passarem a ombreira da porta e o Mundo ficar lá fora e nós, no nosso Amor, cá dentro.
Acho que estou doente Tim. Doente da Alma. Enferma do espírito, agora mais do que nunca.
"And every day I miss you more"...DOTAN! Prometo-lhe que se ele der um concerto na Europa, eu irei. Convenço o Zé T. e vou com ele. "Every day I love you more!" Iremos Filho. Iremos. Como sei que vou. A correr, a voar, nas asas do Universo. Aquele que me roubou metade da minha razão de ser. A mente raia a loucura, num afago que se quer presente, porque não existe futuro. Não o há.
Tim...prometo que continuo, mas a tanto, tanto, tanto custo, de tantas lágrimas, de tanta, tanta, tanta tristeza. Mas continuo, porque se aqui estou, é por alguma razão. Que seja a do Amor. Da Compaixão, da Entreajuda.
Tim...
Até ao dia - aquele dia mágico, maravilhoso, pelo qual mal posso esperar, em que me encontrarei de novo consigo. Sei que estará à minha espera, nessa impaciência tão sua, e quando eu chegar, vou-me aninhar nos seus braços, como em Barcelona, e vamos fazer planos para o jantar. E vamos conversar, e vou ouvir de novo aquela sua voz linda a dizer-me:
- "A Mãe não existe, tá toda escafiada, mas eu adoro-te!"
E vou passar de novo as mãos pela onda da frente do seu cabelo, e coçar-lhe as costas, como quando era pequenino, e dizer:
- "Amo-te Filho lindo!"
E aí sim, a aí irei viver de novo, numa Eternidade prometida, e não neste inferno de vida ao qual fui condenada!
Tenho saudades suas Tim!
Mil beijos da Mami que o adora,
Ana