...de quanta saudade se faz um luto? Não é quantificável.
As últimas duas semanas foram um horror, achei que - verdadeiramente - estava a enlouquecer. A morte do seu avô - que nem sequer ainda assimilei porque simplesmente não consigo - seguida de ter de mandar eutanasiar a Foxie, foram a gota de água. Não consigo criar, não me consigo concentrar, e as agruras das burocracias perseguem-me sem dó nem piedade.
Como nada neste Mundo me vem de forma fácil, a Poppie - não sei se já lhe contei isto, se sim, desculpe meu Amor, é a minha cabeça - veio do abrigo pejada de fungos. Estamos na segunda semana de tratamento e, até agora, não vejo nenhuma melhoria, antes pelo contrário. As peladas aumentam e já me conformei com o facto de vir a ter uma cadela adulta, que mais vai parecer uma girafa, cheia de manchas de peladas. Mas como é espertíssima e na minha vida já nada é normal, que assim seja. Aceitamos aqueles de quem gostamos tal qual como são. Mas acho uma irresponsabilidade deixarem uma pessoa levar um animal de um abrigo, quando sabem que está doente. Houve quem me dissesse para a devolver. Não queria acreditar no que ouvia: um ser vivo não se devolve, como se faz a um artigo defeituoso.
Ante-ontem fui à Doutora Ana Carolina. Cada vez gosto mais dela. É a única pessoa no Mundo inteiro que me entende, me ouve, não me julgando, num gerúndio constante como acontece com o resto das pessoas. Saio de lá muito mais fortalecida, sobretudo porque descansada de que não estou a ensandecer. Isso é a única coisa que me preocupa e lá vem a conversa do maldito karma familiar. Achei que o tinha quebrado, ao dar ao Mundo dois latagões numa família onde as Mulheres - sempre com maiúscula, claro - predominam desde há não sei quantas décadas. Mas enganei-me redondamente: a sua Trisavó Zéza perdeu o filho Manuel, piloto, num desastre de aviação nos Açores. E...
...enlouqueceu.
Mas isto não vai acontecer nesta geração, muito menos enquanto a Doutora Ana Carolina me seguir e me garantir que nunca estive tão sã, conquanto tão triste.
Nas últimas semanas achei que saltitava de um lado para o outro dessa linha ténue: cheguei a duvidar que a minha Vida enquanto sua Mãe, não teria sido (ou não foi) mais do que um sonho, ou que olhava para a vida de outra pessoa, invejando uma Vida que tinha existido como que projectada numa tela, na qual eu estava apenas como espectadora. Assustei-me. Como é que alguma vez poderia duvidar que fui e de que sou sua Mãe? Passei noites sem dormir, ou às voltas, curvas sinuosas serpenteadas no colchão, com a mente macaca a comer bananas e a gozar comigo.
Monkey Mind...que finalmente acalmou de novo. Sossegar a mente para poder ouvir o coração.
Filho...agora sim você subiu definitivamente. A sua estadia entre os dois Mundos terminou. Não sei como lhe agradecer ter ficado tanto tempo aqui - ou aí - e sei que o fez por preocupação por mim. Sei que ficou porque você queria que eu finalmente assimilasse o que nos aconteceu. Que eu integrasse essa saudade no meu quotidiano, que fizesse dela a minha cruel realidade, a minha companheira. Filho obrigada. Conquanto dilacerante, ela é real.
Falemos de paralelismos.
- "Querem saber como me sinto, ou o que me sinto, especialmente quando me dizem que eu tenho de recomeçar onde parei no dia dois de Agosto de dois mil e vinte e dois? Então eu digo-vos. A minha Vida foi interrompida por uma catástrofe, que me mutilou e me colocou numa cadeira de rodas. Dos joelhos para baixo, o meu corpo não existe. Eu nem sequer me consigo levantar, e querem que corra a maratona???? Mas está tudo louco? Primeiro arranjem-me as próteses, depois ajudem-me a levantar, Quando conseguir esse feito, então talvez, um dia, eu consiga colocar um pé à frente do outro. Se conseguir isso, já é um milagre. E se estão tão preocupados que eu corra a maratona, então venham daí, larguem o conforto dos vossos sofás e venham para aqui, para me ampararem nas minhas inúmeras quedas, até eu me conseguir, pelo menos, levantar. E sobretudo, não me julguem, não me incentivem, não me encorajem. Simplesmente...
...ESTEJAM..."
Filho, "I will follow, follow you, (...), um dia. Um dia. Agora tenho de aceitar que você subiu para onde já não me consegue visitar. Mas eu sei que você me abraça, todos os dias, todos os minutos, em cada inspiração da minha existência... "pull me in, pull me closer...(your eyes let me know), like footsteps home, I will follow...
Meu Amor, sempre, sempre, sempre consigo. Obrigada por ter posto a Doutora Ana Carolina no meu caminho!
Mil beijos da sua Mãe que o adora,
Mami