quarta-feira, 31 de maio de 2023

31.5.2023 - One Day minus 301 - Filho do meu coração...("BLEEDING")





...de quanta saudade se faz um luto? Não é quantificável. 

As últimas duas semanas foram um horror, achei que - verdadeiramente - estava a enlouquecer. A morte do seu avô - que nem sequer ainda assimilei porque simplesmente não consigo - seguida de ter de mandar eutanasiar a Foxie, foram a gota de água. Não consigo criar, não me consigo concentrar, e as agruras das burocracias perseguem-me sem dó nem piedade.

Como nada neste Mundo me vem de forma fácil, a Poppie - não sei se já lhe contei isto, se sim, desculpe meu Amor, é a minha cabeça - veio do abrigo pejada de fungos. Estamos na segunda semana de tratamento e, até agora, não vejo nenhuma melhoria, antes pelo contrário. As peladas aumentam e já me conformei com o facto de vir a ter uma cadela adulta, que mais vai parecer uma girafa, cheia de manchas de peladas. Mas como é espertíssima e na minha vida já nada é normal, que assim seja. Aceitamos aqueles de quem gostamos tal qual como são. Mas acho uma irresponsabilidade deixarem uma pessoa levar um animal de um abrigo, quando sabem que está doente. Houve quem me dissesse para a devolver. Não queria acreditar no que ouvia: um ser vivo não se devolve, como se faz a um artigo defeituoso. 

Ante-ontem fui à Doutora Ana Carolina. Cada vez gosto mais dela. É a única pessoa no Mundo inteiro que me entende, me ouve,  não me julgando, num gerúndio constante como acontece com o resto das pessoas. Saio de lá muito mais fortalecida, sobretudo porque descansada de que não estou a ensandecer. Isso é a única coisa que me preocupa e lá vem a conversa do maldito karma familiar. Achei que o tinha quebrado, ao dar ao Mundo dois latagões numa família onde as Mulheres - sempre com maiúscula, claro - predominam desde há não sei quantas décadas. Mas enganei-me redondamente: a sua Trisavó Zéza perdeu o filho Manuel, piloto, num desastre de aviação nos Açores. E...

...enlouqueceu.

Mas isto não vai acontecer nesta geração, muito menos enquanto a Doutora Ana Carolina me seguir e me garantir que nunca estive tão sã, conquanto tão triste.

Nas últimas semanas achei que saltitava de um lado para o outro dessa linha ténue: cheguei a duvidar que a minha Vida enquanto sua Mãe, não teria sido (ou não foi)  mais do que um sonho, ou que olhava para a vida de outra pessoa, invejando uma Vida que tinha existido como que projectada numa tela, na qual eu estava apenas como espectadora. Assustei-me. Como é que alguma vez poderia duvidar que fui e de que sou sua Mãe? Passei noites sem dormir, ou às voltas, curvas sinuosas serpenteadas no colchão, com a mente macaca a comer bananas e a gozar comigo.

Monkey Mind...que finalmente acalmou de novo. Sossegar a mente para poder ouvir o coração.

Filho...agora sim você subiu definitivamente. A sua estadia entre os dois Mundos terminou. Não sei como lhe agradecer ter ficado tanto tempo aqui - ou aí - e sei que o fez por preocupação por mim. Sei que ficou porque você queria que eu finalmente assimilasse o que nos aconteceu. Que eu integrasse essa saudade no meu quotidiano, que fizesse dela a minha cruel realidade, a minha companheira. Filho obrigada. Conquanto dilacerante, ela é real. 

Falemos de paralelismos. 

 - "Querem saber como me sinto, ou o que me sinto, especialmente quando me dizem que eu tenho de recomeçar onde parei no dia dois de Agosto de dois mil e vinte e dois? Então eu digo-vos. A minha Vida foi interrompida por uma catástrofe, que me mutilou e me colocou numa cadeira de rodas. Dos joelhos para baixo, o meu corpo não existe. Eu nem sequer me consigo levantar, e querem que corra a maratona???? Mas está tudo louco? Primeiro arranjem-me as próteses, depois ajudem-me a levantar, Quando conseguir esse feito, então talvez, um dia, eu consiga colocar um pé à frente do outro. Se conseguir isso, já é um milagre. E se estão tão preocupados que eu corra a maratona, então venham daí, larguem o conforto dos vossos sofás e venham para aqui, para me ampararem nas minhas inúmeras quedas, até eu me conseguir, pelo menos, levantar. E sobretudo, não me julguem, não me incentivem, não me encorajem. Simplesmente...

...ESTEJAM..."

Filho, "I will follow, follow you, (...), um dia. Um dia. Agora tenho de aceitar que você subiu para onde já não me consegue visitar. Mas eu sei que você me abraça, todos os dias, todos os minutos, em cada inspiração da minha existência... "pull me in, pull me closer...(your eyes let me know), like footsteps home, I will follow...

Meu Amor, sempre, sempre, sempre consigo. Obrigada por ter posto a Doutora Ana Carolina no meu caminho!

Mil beijos da sua Mãe que o adora,

Mami



segunda-feira, 22 de maio de 2023

22.5.2023 - One Day minus 295 - E o tempo passa, e saudade? (essa, bom, essa aumenta exponencialmente)

 



Meu adorado Filho,

Há demasiado tempo que não vinha aqui ao nosso espaço sideral para conversar consigo. Tanta coisa acontece em vinte dias! 

A Poppie veio, e dá imenso trabalho educar um cão como deve de ser. Ocupa-me os dias, mas isso é bom. No entanto, e como eu ando constantemente a levar pancada do Universo - que acha que ainda não levei o suficiente e tenho arcaboiço para ainda mais - a Poppie veio com um fungo. Ao princípio não reparei, era uma macha minúscula no meio da testa, e achei que era de nascença. Infelizmente não. Começou a espalhar-se pelo corpo, e as manchas a aumentar de dia para dia, e não estou a exagerar. Houve quem me dissesse para a devolver, pois as despesas e as preocupações são algumas, soi disant,  mas fiquei chocada. Não se devolvem seres, muito menos aqueles pelos quais nos responsabilizámos. É um azar do caraças, mas é o que é. Em resumo: tenho uma cadela de quatro meses, que fui resgatar ao abrigo, e que está meio careca e ainda mais feia do que já era. Mas é inteligentíssima e adoptou-me mal entrou nos meus braços, num abraço imenso de gratidão, nuns olhos meigos e sonhadores. E como o essencial é invisível aos olhos, ou neste caso particular, o que entre pelos olhos adentro não é o que vai naquela alma de cão, vamos a mais um desafio.

Ontem fomos a Coimbra. Levei-o comigo, no meu coração, meu Paraíso do Amor, meu querido Filho. Sei que está desiludido comigo - aliás a coruja deve ter voado do nosso jardim, pois nunca mais a ouvi - mas eu faço o que posso. A morte da Foxie agravou o meu cérebro de um modo assustador. Aliás, quero falar com a Doutora Ana Carolina sobre isso. Não me consigo concentrar de forma nenhuma. As Dianas já não nascem das minhas mãos com a alegria e a espontaneidade com que as criava, olho para elas como algo que não saiu de mim, e para acertar numa, descarto três. As horas e horas em que passava à máquina de costura, são agora apenas pequenos pedaços de minutos roubados ao dever de cumprir. Não sei o que se passa comigo: há dias em que consigo sorrir, em que o Mundo me embrenha num entorpecer da minha dor, mascarado pelo dever, numa teia tecida por aranha sonolenta. Mas depois voltam os dias como o de hoje, em que toda eu estou no Céu, toda eu sou Saudade, toda eu sou...Mãe roubada de um tesouro, de si própria, cansada de lutar, mendiga do Amor. 

À medida que os dias passam, e caminhamos para os dez meses, a perplexidade perante a sua morte aumenta e às vezes duvido da minha vida anterior. Filho, sei que isto é horrível de dizer, mas é verdade, é o que sinto. As pessoas e os lugares são os mesmos, mas é como se me pedissem para olhar para a vida de outra pessoa, é como se estivesse a ler um livro onde me identificasse com a personagem principal, mas cuja vida nada tem a ver com a (sobre)vivência da minha vida de hoje. 

Perdi a magia na e da minha vida, e percebi isso ontem, em Coimbra. E nesse concerto repleto de sofisticação e de tecnologia, o meu coração levou-me para a simplicidade de um Rock in Rio em Lisboa, naquele em que Amy Whinehouse passou a vergonha da sua vida, acabando por cair no palco, e em que Lenny Kravitz salvou aquele relvado, consigo e com o seu irmão sentados nos rebordos de um contentor do lixo, e o Pai, em pé, à nossa frente, com um frio de rachar em finais de Maio, assisti ao MELHOR concerto da minha vida, nessa altura ainda Vida. Fomos envolvidos pelas músicas, pelo som de algo familiar, pela simplicidade. Foi...

...ÉPICO!...

Tim, em dez meses acontece tanta coisa...mas tanta, tanta coisa, e contudo, o Mundo, ou o meu Mundo está parado há duzentos e noventa e cinco dias - ou será há mil anos?, e isso é que é esquizofrénico - e tudo parece irreal, surreal e absurdo. É Albert Camus no seu expoente máximo!

Tim...não se consegue descrever este limiar entre a loucura e a sanidade. 

Não sei explicar o que se passa, acho que o Tempo adquiriu um novo tempo, num decorrer do que mais parece um escorrer, por margens escorregadias em cima de rochas, onde rasgamos a pele e nos agarramos a um NADA sem significado, só porque temos o dever de ter uma vida. E contudo, nesse tempo, nesse hiato de Tempo, plantaram-se árvores de fruto, venderam-se duas cabras e quatro ovelhas, das quais vimos nascer quatro cabeças, enterrámos uma companheira de um quinto de vida, e colhemos courgettes da horta. E sorrimos. 

Tim...

...nesta teia frágil e efémera, o meu amor por si é INFINITO, pois é Amor de Mãe, aquele que é o Amor mais puro, mais eterno, mais genuíno, mais repleto de saudade e de tanta gratidão!

Mil beijos da sua Mãe que o ADORA!

Mami

terça-feira, 2 de maio de 2023

2.5.2023 - One Day minus 275 - e do que continua?

 




Meu querido, meu adorado Martim,


Nove meses...o tempo que demora carregar um Filho, a dar Vida, a ser Vida. Eu carrego um fardo mais do que pesado, são toneladas de desgosto, de saudade, de sentir a sua falta a cada inspiração. Em nove meses acontecem muitas coisas: morre o Opa, o seu querido avô que o adorava, e morreu a Foxie. No dia em que ela morreu, achei que enlouquecia, e estive a instantes de pedir ao Miguel para me levar a Tomar, para me porem a dormir, e me aliviarem da dor incessante que me dilacerava as entranhas. Foram nove meses de perda, de tristeza, de ver sofrer os que amo, mas ao mesmo tempo, foram nove meses de outras coisas. No meio da insanidade da saudade, plantou-se uma horta, arrancaram-se - às minhas mãos - os urtigões, plantaram-se duas cerejeiras, dois pessegueiros, uma árvore de mirtilos, e todas estão a dar ou frutos, ou flores.

Também foi o mês em que se matou o Trinta e Um. Nunca pensei que o conseguisse comer, mas depois de perdermos tanto, comer um cabrito que nos nasceu literalmente nas mãos, acaba por ser uma homenagem gustativa ao próprio do animal.

E com isto quero dizer, que, lentamente, com muito mais revezes do que progressos, vamos aprendendo a (con)viver com a dor. Percebemos que nada é eterno, excepto os Anjos como você, meu Filho adorado. Quando pensamos que atingimos o pico do sofrimento, vem mais uma ferroada do Universo e volta tudo ao mesmo, mas sobrevivemos. Com a ajuda da Doutora Ana Carolina tenho percebido que é bom exorcizar a dor, porque o importante é a sobrevivência, nem que seja pelos que cá estão connosco, e nos merecem no nosso melhor.

Aprendi portanto, que o nosso coração aguenta muito mais do que pensa, e que a nossa mente é o que tentamos fazer dela, dentro das limitações físicas e psicológicas que se nos deparam. Dito isto, e depois de dez dias em que pensei que estava a enlouquecer mesmo, mas MESMO, em que o sofrimento me levou à beira da insanidade, numa epifania, ou talvez num último instinto de sobrevivência, fui a uma Abrigo buscar uma cadela. Estava tão nervosa na viagem, que só me apetecia vomitar. Questionei-me sobre muitas coisas. E no Caminho - propositadamente com maiúscula - pedi-lhe, baixinho e com todo o meu Amor, numa oração desesperada, que me desse um Animal que fosse inteligente. Não pedi mais nada, apenas isso, e, claro, que gostasse de mim. Apaixonámo-nos uma pela outra ao primeiro olhar. Nos primeiros dias, andei dividida entre a minha saudade pela Foxie o carinho pela Poppie. Sentia-me uma traidora, e, ao mesmo tempo, uma Sobrevivente.

A Poppie tem-me feito bem. Registei-a com "ie" de propósito, tal como a nossa Foxie. Quis manter a tradição. Tenho uma rafeira preta que nem breu, com patas brancas, e que veio para mim quando o campo se encontra semeado de papoilas, num salpicado intenso de encarnado vivo como a vida.

E assim passo os dias meu Amor. Com muito menos força física, com muito mais fragilidade, mas com uma réstia de determinação.

O Mano está a ajudar-me, ou melhor, a fazer-me um "coaching" à distância, de como educar um cão, e tem resultado. Dá muito trabalho, e tenho de ouvir e repetir tudo o que ele me diz para fazer, para lhe mostrar que não me esqueço, ou que a minha frágil cabeça não me trai e não me leva a esquecer o que ele me acabou de dizer. É muito bom tê-lo muito mais próximo. Estar na nossa cumplicidade maternal-filial é maravilhoso. Adoro o Mano como o adorava a si e admiro-o cada vez mais. Ele faz-se Tim, e vai-se fazer um Homem com "H", como canta Matogrosso. Cada dia tenho mais orgulho nele. O seu fardo é tão pesado quanto o meu, e todos os dias me lembro disso, e ao lembrar-me disso, continuo. Por ele, por si, por mim, por todos. 

Aprendi também que o que me aconteceu subsequentemente à sua morte, não é uma vergonha. Nem uma desgraça, e que deve, e tem de ser respeitado. Você morreu naquele desastre fatídico, e a minha cabeça ficou lesionada. Aparentemente está tudo bem, mas muitas pessoas ao mesmo tempo, cansam-me, e a memória, bom, dessa já nem lhe preciso de falar. Reparei que depois da morte do avô ela piorou, e agora, depois da Foxie se ter ido, faltam-me palavras quando quero comunicar. Tenho aprendido a não valorizar, a não me sentir inferior, mas não é fácil. Não sei como vou fazer, mas a Doutora Ana Carolina diz-me para nem sequer pensar um segundo nisso, o que é bom, porque me causa uma angústia imensa. Não me preocupo, ou não me tento preocupar, e procuro todos os dias, ir um pouco mais além. Vamos ver se consigo.

Eu mudei radicalmente com a sua morte, e não foi apenas a minha vida, fui eu enquanto ser. Tenho de aprender a (re)conhecer esta nova pessoa que vive em mim, identificar-me nesta nova existência, e não é fácil. Mas depois, naquelas madrugadas em que morro, uma vez mais de mil vezes ao pensar na sua não presença física, naqueles momentos em que estou no limiar, como nesta madrugada, a que deu entrada a dia 2.5., a Coruja e o Mocho brindaram-me com piar carinhoso, e percebi que era mais um sinal seu. Acredito no Cosmos, acredito que nos iremos reencontrar um dia, cair nos braços um do outro e falar, falar, falar, falar. Acredito que isso vai acontecer um dia. Um dia!

Até lá meu Amor, até lá minha Vida, 

Mil beijos da sua Mãe que o adora,


Mami




25.4.2024 - One Day plus 266 - (Still about) the Intrepids, the Freedom Lovers, the Crazy Ones...

  Ahhh meu adorado Filho, Que DELÍCIA!  Está tão, mas tão perto de mim e obrigada pelos sinais que me vai enviando, hoje especialmente.  O &...