Meu querido, querido Filho,
Domingo, dia quatro de Dezembro, segundo Advento. Já acendemos as velas, as luzinhas do seu Altar e às sete em ponto, no tal movimento dos Pais, Irmãos, Família e Amigos dos que partiram demasiado cedo, vamos acender uma vela em frente à sua fotografia aqui na salinha.
O dia hoje foi mais pacífico: fomos à feirinha e comprámos uma cameleira, uma árvore de mirtilos e um alecrim, que já plantámos. Trouxe frango na brasa para a Oma almoçar e quando chegámos, fomos dar um passeio de cinco quilómetros com os cães. Descobrimos que temos uns vizinhos ingleses com duas crianças, que vivem "off-grid", num terreno lindíssimo, num Tipi gigante. Também têm duas cabras e criação, entre eles um perú. Não têm electricidade e acho fantástico isso, a coragem que é preciso ter, num desejo premente de encontro com a simplicidade do verde, para se viver assim.
Fizemos uma volta grande, e parámos no Senhor Zé para beber uma cerveja e um branquinho traçado, o Zapa e a Foxie vieram connosco e pintaram a manta, mas foi giro. Quando cheguei à Quinta, fui dar tangerinas e folhas à Branquinha, à Mocha e à Preta, e pela primeira vez, a Diana veio comer da minha mão. Tem imensa graça, porque tem dois corninhos, é a única das nossas ovelhas com eles, mas é muito medrosa, e finalmente ganhou confiança. Foquei contente por isso. É curioso que agora tento esmifrar um pouco de alegria destes momentos, e os animais e a natureza que me envolvem, ajudam-me nisso.
E por isso são dias em que me ligo ao Cosmos, através do silêncio, do corpo cansado pela caminhada, embalada pelo borbulhar da água fresca da ribeira, ao fundo do vale, pela paz que se sente aqui. Ainda não lhe contei, mas todas as manhãs temos a visita de um bando de rolas que vem procurar restos de comida em frente ao galinheiro. E ainda falta a melhor. Vou passar a relatar, e por favor não me venha com o típico:
- "Resuma Mãe, resuma, que está a contar uma história sem fim!"
Nas vésperas de ir a Lisboa, quando só via a negrura da solidão à frente, tive um sonho. Um sonho muito alegre, muito vívido, muito bom, em que eu desenhava, em stencil, uma coruja, ou um mocho, não sei bem precisar. Achei estranho, porque é um bicho sobre o qual nunca me debrucei, mas sei que havia muitos no sonho, e também a sua presença era algo de inegável. Óbvio que sonhar com a sua presença é uma bênção, e não me vou alongar mais nas razões para isso, para não o maçar. O que é facto é que, um dia depois, percebemos que temos um Mocho ou uma Coruja no jardim em frente à casa, cujo piar se ouve noite dentro. Fui ler e pesquisar o significado deste animal e não pude deixar de sorrir. O Mocho não é só o símbolo da sabedoria, como a Coruja representa a ligação com o misticismo, e a inteligência. Muitas crenças associam a Coruja com a morte e o desastre, que foi exactamente isso que nos aconteceu, e como guardiões dos Mortos. Portanto, todas as noites em que ela pia, é como se você me visitasse. Explicada esta parte introdutória, onde já o vejo com um bocejo disfarçado e dois dedos no telemóvel, seu companheiro inseparável, porque tantos precisam de si, e eu furiosa como sempre, e a dizer:
- "Credo, Tim, largue lá isso, caramba, um dia eu morro e você tem pena de não ter tido pachorra para ouvir as minhas histórias..."
E de você retorquir:
- "Vá lá Mami, não posso deixar de responder a esta mensagem e a Mami não vai morrer tão cêdo!"
E não morri, ou, por outras palavras, continuo com o meu corpo físico cá...o mesmo não se pode dizer do meu coração e da minha Alma...
Bom, mas adiante. Em Lisboa, fui com a Oma à IKEA. Acho que já lhe contei sobre isso, o consumismo moderado ajuda a Alma e eu adoro decorar casas, como sabe, e encontrei um candeeiro que tanto a Oma como eu AMÁMOS! É um candeeiro de criança, um Mocho, ou uma Coruja, com uma luz quentinha e suave, que pus na cómoda do nosso quarto. Portanto, existe, claramente, uma mensagem que o Universo me está a enviar. Que me inspira e sossega, porque a sei sua.
Encontrei também mais uma Mãe de(s)filhada, mais um futuro roubado, na mágoa de quem perde um Filho, não por doença, mas pelo macabro da irresponsabilidade, da leviandade dos outros, que não imaginam como um momento nas suas vidas, que continuam, destrói tantas outras pessoas, ou famílias, ou existências. Muito embora, todas as formas de perder um filho sejam macabras, de que forma forem, a nossa é particularmente cruel: porque inesperada! Ao falar com ela, percebi o quão abençoada sou: tal como lhe escrevi na carta que li na sua missa de dia cinco de Agosto, eu não me questiono sobre os "Ses". Porque se o fizesse, jamais conseguiria sequer dar um passo em frente, e não vale a pena, porque se deixamos que isso aconteça, somos escravos da tristeza e das lágrimas para sempre, e sei que não era isso que você quereria ver em mim. Contínuo a Guerreira que sempre fui, claro que desta vez, em luta mais do que desigual, mas sigo em passos minúsculos, e não vou deixar o desespero ou a raiva entrarem no meu coração. Quero-o aberto à Paz, porque sei que só assim sonho com Mochos, ou Corujas, só assim sei que você me visita, nos meus sonhos lindos, porque consigo, e só consigo por perto é que eu consigo continuar a caminhar.
E é consigo no meu coração, e comigo em solidão, em retiro mental, em cansaço do corpo, mas com Paz na Alma, que eu sei que conseguirei prosseguir a minha jornada. Será para sempre coxa, mas sigo. Levanto os olhos e vejo-o em tantas fotografias, na sua beleza de Alma, reflectida num rosto único, de Adónis, porque você era, de facto, LINDO!
E acho que é por isso que o Céu o chamou: não só precisam de pessoas lindas por dentro, mas de Seres cuja beleza de Alma se reflecte no seu corpo imaculado e no seu rosto de uma perfeição de cortar a respiração, num sorriso único, numas mãos de uma beleza tal, que parecem esculpidas por Michelangelo.
E é assim Tim, é assim que continuamos aqui, neste Portugal profundo, frio, mas tão aconchegante pela sua envolvente, pela sua simplicidade de Vida, e pelo significado que se retira de um dia de mais um Luto profundo, mas de alguma Paz.
Amo-te meu Filho, meu Amor, minha Vida, minha Alegria e minha...
...GRATIDÃO!
Mami
P.S. acho que hoje a Coruja vai piar :-)!