quinta-feira, 25 de abril de 2024

25.4.2024 - One Day plus 266 - (Still about) the Intrepids, the Freedom Lovers, the Crazy Ones...

 



Ahhh meu adorado Filho,

Que DELÍCIA! 

Está tão, mas tão perto de mim e obrigada pelos sinais que me vai enviando, hoje especialmente. 

O "Piu-Piu" está a chocar, e a marota mudou o ninho, com o resultado de que arrebanhei dez ovos, que rapidamente fui colocar na cozinha. Não é tarefa fácil ter a Quinta a meu cargo (pela última vez), mas é uma espécie de despedida exterior do que foi a Vida (ou vida?) contida no seu interior. Foi bom. Mas também foi um enorme desafio. Foi uma aprendizagem gigante, e sobretudo, foi onde me consegui, com esforço hercúleo, reerguer. Comecei por rastejar. Depois foi de joelhos, uns tempos mais tarde, ao pé coxinho. O Universo obrigou-me rapidamente a andar, e com a sua ajuda, meu querido Filho, lá me levantei e...corri!

Daqui a poucos dias acaba esta maratona. 

Aqui por casa, limpámos e "destralhámos" tudo aquilo que nos pesava. A LEVEZA sente-se em cada canto, em cada vela, em cada aroma a tarte de legumes e "antipasti" que decidi fazer. Em casa da Oma plantei girassóis. Se se derem tão bem como a micro-horta, teremos um muro de flores, de amarelo sorridente, a piscar-nos o olho não tarda. E Endro. Vamos lá ver se o malandro do Endro decide vingar, que eu tenho muito peixe para marinar! O que sei, é que os Coentros e o Manjericão já vingaram, bem-dito estrume das galinhas! 

Filho, nunca pensei conseguir escrever isto...

...mas o que é certo, é que  - provavelmente - enlouqueci. E, contudo, nunca nunca estive tão sã! Sabe que me sinto LEVE? 

"Hungry in this cell we've made for ourselves, 
Can you hear that sound (hear that sound)
It's running, (oh running through the ground)"

It's the way we were meant to be
Tripping on our own feet
Cause we´ve poisoned those wells
We dug for ourselves!"


Mil beijos da sua Mãe que o adroa,

Mami


domingo, 21 de abril de 2024

21.4.2024 - One Day plus 262 - FREEDOM! (Agora com "background" Noronha da Costa)!

 



Bicho do meu coração,


Eu tenho tanto, mas tanto para partilhar sobre o luto, sobre esta aprendizagem incrível, sobre esta caminhada, mas sempre com uma voz de esperança, de sobrevivência, de uma espécie de alquimia da sabedoria! A noite traz-me epifanias, ou, provavelmente, viagens no "borderline" da sanidade, mas seja o que for, traz-me paz. Hoje, sobretudo, mas já lá vamos.

Encha-se de paciência, acenda um charuto, abra uma "Stout"!

Vamos lá reviver uma das nossas infinitas noites de conversas que nunca mais acabavam. Como lhe estava a dizer, entendo agora que o sofrimento extremo, aquele que (quase) nos mata, se canalizado para o positivismo da renascença com crença e convicção, nos abre uma nova dimensão, um desconhecido que, subitamente, se torna incrivelmente familiar. É como se o nosso Ser tocasse o conhecimento milenar, porque entendemos muito mais facilmente os comportamentos humanos. Contudo, o mais interessante, é que quando entendemos verdadeiramente, estamos a fazê-lo não com a cabeça, mas com o coração. E quando o Entendimento nos entra pelo coração e não pela mente, Somos. E perdoamos. E estamos, num patamar muito mais elevado, porque vemos o todo, a perspetiva da águia, e livres.

Hoje estou totalmente liberta pela primeira vez desde os últimos três anos e meio, no meu espaço. A frase não está bem construída, mas é propositado. Totalmente só. Bem, só, não. Estou com a Baga, que está estoirada, depois de uma senda infindável de escassas duas semanas de organização e de planeamento em tempo record e de mais dois dias de mudanças de levar um santo a cometer um crime, sempre de cara alegre. Os milagres existem, e este é um deles. Eu estou com menos dez quilos, porque para atingir o record, tive, há três dias, uma intoxicação alimentar de tal forma forte em cima de tudo o resto, que julguei que era desta! Mas hoje é um dia especial.

E é um dia alegre, porque todos os Outros estão nas suas casinhas organizadas, enquanto eu continuo no caos, a arrumar caixotes e cangalhos aqui despejadas, e me tento despojar de muita coisa, de muita mágoa, de demasiadas lágrimas não choradas por nós dois, mas por tantas outras pessoas e lugares, chego à conclusão de que é no minimalismo que somos mais felizes. No existencial e no físico, e quando me refiro a físico, não pretendo andar sem roupa pela Vila, matando as velhinhas de uma síncope cardíaca, mas sim de objectos. O ser humano passa uma vida inteira a acumular tralha, tralha que carrega consigo por todo o lado onde passa, que lhe dá peso na logística de como a transportar, guardar, para um dia, talvez quem sabe, a vir a utilizar. E gasta rios de dinheiro e milhões de neurónios nisto, para, de um segundo para o outro, morrer e ir sem nada. 

Ora se vamos para o outro plano sem nada, porque não começarmos nesta vida? E já que o Universo me despojou de tantos seres que amei em tão pouco tempo, ao ver-me obrigada a recomeçar, decidi despejar metade da tralha cá de casa. Bom, por hoje ainda estou no caos. Mas espero amanhã melhorar.

Lá vêm o planeamento e a logística, e o gastar de dinheiro, mas desta vez é por uma boa razão, pelo menos segundo a minha opinião. E a partir de hoje, aqui, nesta casa de bonecas, é a minha opinião que conta. Porque eu posso ter uma voz muito mais triste, mas eu ainda tenho voz.

E assim sendo, ouve-se música e estamos os dois aqui na no silêncio da Paz. Arde a vela de Manjericão, refrescando o ambiente, e o seu Altar começa a tomar forma. E é esta Paz que permite sarar um bocadinho mais. É o cheirinho da Liberdade, de podermos fazer o que queremos, quando queremos e como queremos. Somos LIVRES. Não apenas no plano físico, mas no emocional. Porque entendemos, através do facto de termos sofrido a perda máxima, a dor Maior que se pode sentir, que a partir daí toda a perda pode ser ganho. é apenas uma questão de perspectiva, de "re-set" do "mindset"

A minha tarefa neste plano ainda não terminou, porque tenho uma missão. Eu vou mostrar aos desesperados, aos incrédulos, aos mortos-vivos, a todos os que passam, neste momento, por aquilo que EU passei, que é possível sobreviver.

As sequelas são inumeráveis, os estilhaços imensuráveis, não exista dúvida NENHUMA, mas NENHUMA de que morremos. Mas conseguimos RENASCER. 

É possível. É duro como a pedra, cimentada no aço, mas é possível. Requer uma coragem (e desculpe Martim, sabe que não gosto de incentivar certas palavras do seu vernáculo, mas...) requer uma coragem do CARAÇAS, mas é possível.

Atravessamos o Inferno, mas se acreditarmos com toda a nossa essência, se a Fé, a Crença no Amor Maior e a Entrega ao Universo forem totais, se tivermos a coragem de mostrar o nosso coração rasgado já em dois, e de o abrir ainda mais a tudo o que aconteceu, de expor a sua enorme chaga sem vergonha nem pudor, e sobretudo sem medo nem terror, então sentimos, como eu, que os nossos "Épicos" estão sempre connosco. Sinto-o meu Filho, envolvem-me os seus braços celestiais, sei que está aqui, ao meu lado. Sei com toda, mas toda, toda, toda a certeza do meu coração de Mãe, que esteve aqui comigo, colado a mim, nestes últimos sete meses de pesadelo que acabei de atravessar. Não fosse o seu Amor que sinto em cada poro, não teria conseguido, pois o que atravessei foi sobre-humano, além de desumano. Mas estou cá. E adorava poder mostrar aos outros órfãos de Filhos roubados, de que é possível. De lhes contar a minha história, não porque eu seja uma qualquer heroína, mas simplesmente porque eu passei pelo mesmo. Com algumas "pequenas" agravantes "on top". E sobrevivi fiel aos meus cânones, aos meus princípios e à forma como EU senti que devia e queria viver os primeiros (mais longos e mais difíceis) tempos do meu luto. E nestes tempos perdi Amigos, (mas ganheir outros), perdi duas cadelas da forma mais dura que se pode perder, a última na véspera de Natal, e nessas formas das suas mortes, revivi a sua. Mas ganhei a Baga. o melhor cão que alguma vez tive. E perdi um Paraíso que eu descobri e que amei com todas as minhas forças. Um Paraíso onde plantei árvores de fruto, ajudei a realizar o sonho de uma horta, onde cada detalhe, cada pormenor foram pensados com amor, (e com algumas sãs discussões sobre decoração), um lugar especial, onde elas estão enterradas, no mesmo sítio do sonho Maior que tive. Mas ganhei a Liberdade de expressar o que sinto, em alto e bom som, nas minhas quatro paredes, sem crítica constante, e a ouvir o som da afirmação sem duvidar da minha própria voz, enquanto encontrei solução para que a sua avó tenha uma qualidade de vida indescritível, enquanto eu posso finalmente caminhar ao meu próprio ritmo, e não à velocidade que ela quer. E é neste meu ritmo, ao meu ritmo e com o meu ritmo, que irei dançar este caminho. Sem medo, porque sei que o tenho comigo! E que forma de melhor honrar e agradecer essa sua constante protecção, de que sorrir e agradecer a dor? Transformando a Dor em Amor! 

FREEDOM! Que maravilha! 

Mil beijos da sua Mãe que o adora,

Mami


P.S. O seu Altar ainda está um "work in progress". Prometo versão final em breve! 


quinta-feira, 11 de abril de 2024

11.04.2024 - One Day plus 252 - "Sketch for Summer" :-)

 





Filho meu, Amor do meu Coração,

Completo hoje o círculo do sofrimento. O MAIOR que alguma vez podemos sentir. E com isso, alcanço um importante patamar: o da Paz do Desprendimento terreno. Dirão os incrédulos e os pragmáticos, que enlouqueci. Bom, mas isso já ambos sabemos desde o dia dois de Agosto de dois mil e vinte e dois. E na (in)sanidade de quem aceita e compreende de que NADA é nosso, abrimos as mãos. 

Confesso-lhe que ouvir The Durutti Column com iPhones é genial. E Conan Mockasin ainda mais. Com "Caramel", por momentos pensei, que o do lado esquerdo tinha ficado sem bateria, mas não. É mesmo assim. "Mindblowing". Embora "Mindblowing" seja(m) a(s) minha(s) vida(s). 

Está uma noite de sonho aqui no campo. Estive sentada cá fora, a admirar o ocaso, crepúsculo que por acaso - ou por cortesia -  se desenhou no horizonte do meu olhar, e vi mergulhar o sol na Terra incandescente e rubra, polvilhada de lilás com pintinhas amarelas e quadradinhos laranja. Foi...ÉPICO.

É difícil descrever o que passa pela minha cabeça e repousa no meu coração. Talvez seja "Sketch for Winter" pelo que relembro, mas é sobretudo um tempo grato. Vivi tanto, aprendi tanto, perdi tanto, e voltei a ter a oportunidade de ganhar. Que enorme aprendizagem meu Deus! O Universo ensinou-me o conceito de frugalidade e, ao mesmo tempo, a felicidade de poder sentir o espanto. Perante os milagres da natureza que se renova, e da esperança que nunca morre. Espero que possa ser um exemplo disso para o seu irmão. Tão grata por ele, tão "sui generis" na sua forma de ser, tão inocente (ainda) na sua forma de encarar a vida e, ao mesmo tempo, tão sábio e sobretudo, tão meu Amigo. 

Hoje plantei a MINHA micro-horta. Mas a Abundância vai chegar. Será a abundância na e da frugalidade, mas nunca menos gratidão se deve sentir por ela.

Filho, obrigada por este fim de tarde de sonho, por me ter dado este pequeno quinhão de terra, pelo estrume das galinhas de cujos ovos sinto (algumas) saudades! Até elas trazem histórias agarradas às penas, na sua árvore genealógica da memória de tempos tão divertidos, entre roseiras, Rouxinóis, Pica-Paus e jogos de Gamão. 

De quantas memórias é feita uma vida? E várias? Uma coisa sei. Quando neste ensaio de verão, estivermos a saborear uma falsa "Vichyssoise" feita de courgettes do meu quinhão, e aromatizada com Cebolinho do meu vaso, nessa altura terei a certeza de que me (re)encontrei. 

"Never Known"... again The Durutti Column...

Termino com Air. "La Femme d´Argent".

O Luto é intemporal. Mas temos duas opções. Ou fazemos dele nosso inimigo, ou nosso aliado. Iço a bandeira de Prata, ou "Silver Lining"

Mil beijos da sua Mãe que o adora,

Mami

P.S E como já sei que deve andar ocupadíssimo aí no Céu, fica a subtileza, e aprenda, que eu não duro para sempre:

"SILVER LINING" - (noun)

!1. A hopeful or comforting prospect in the midst of difficulty.

2. A good aspect of a mostly bad event.

3. A consoling aspect of a difficult situation."


domingo, 7 de abril de 2024

7.4.2024 - One Day plus 248 - "Total Eclipse of the..."

 



Meu adorado Filho,

Há demasiado tempo que não lhe escrevo, e neste tempo, tanta coisa aconteceu. Não me vou alongar nos detalhes que você conhece demasiadamente bem, mas centrar-me (apenas, tanto quanto possível), nos "pormaiores"!

Nem sei bem por onde começar. Tenho de encontrar um "Leitmotiv" para tudo o que lhe quero transmitir, mas vou tentar ser "frugal". Ou espartana. Ou poupada. 

De volta a CASA..., este meu espaço exíguo em dimensão, mas gigante em Amor. Neste universo (ou será Universo?) que (ainda) estou a tentar (re)definir, procurando criar novas memórias, neste quarto com "Vista para a Casa do Adro", tento sobreviver. Sejamos honestos, porque é disso que se trata...pensei. E pensei em muita coisa. E tudo me passou pela cabeça perante o "nihil", de frente para o rebentar de um sonho (de velhice), e de tantas outras coisas que me vi obrigada a questionar. Não tenho dúvidas nenhumas de que a minha Alma se encontra fragmentada, ferida, explodida em mil pedaços, resquícios do que poderia ter sido, mas não foi, porque o luto não tem - infelizmente - um botão que se pressione para acabar. O luto é uma batalha diária pela sobrevivência das emoções, aquelas que foram defraudadas pelo Destino, pelo cansaço, pela exaustão, por tudo o que deveria ter sido, mas não conseguiu ser. De uma Vida roubada, assalto à mão armada à Felicidade, ataque a um Amanhã que se adivinhava promissor, cheio de flores e de frutos. 

E neste caos onde nada acontece por acaso, porque existe sempre uma ordem cósmica para os acontecimentos, reencontrei os meus livros de Astrologia. Há muitos, demasiados anos que não lhes pegava, talvez porque demasiadas vezes eles me deram a capacidade de tocar a clarividência. E sejamos honestos, uma pessoa borra-se de medo de saber. Mas quando estamos conectados com o Universo, ele vem dar-nos sempre uma mãozinha, que é precisamente tentar ensinar-nos alguma coisa.

E quase por acaso, cai-me no colo o Eclipse. 

Escusado será explicar-lhe este eclipse total do Sol em termos Astronómicos, pois todos sabemos que é um evento de enorme importância. Quanto aos astrológicos...bom, basta dizer que ele acontece no mês de Abril, um dos meses mais importantes, porque regido por Carneiro, o primeiro Signo do Zodíaco, aquele que inicia, o Guerreiro, o Destemido. Mas ele acontece ainda num momento de Mercúrio retrógrado, o que só por si é ainda mais complexo. Contudo, falta um pormenor que não é de menos, é que abraça Chiron, o curandeiro ferido. Significa isto que a casa que no nosso mapa onde este fenómeno acontece, é a área do  para a qual o nosso foco vai forçosamente ter de ser desviado. Sabemos que os eclipses marcam profundamente as casas onde ocorrem, sobretudo este, onde o Centauro nos vai obrigar encarar sem medo as nossas feridas mais profundas, e ganhar uma visão real e concreta das mesmas. Bom, até aqui tudo em ordem. Acontece que ao ler o grau onde este eclipse vai acontecer, até me vi obrigada a ir buscar os óculos, incrédula com o que vi. Este Eclipse vai tocar alguns dos pontos, Luminárias e Planetas mais importantes do meu mapa, pois abraça o Eixo principal, e com isso, obrigar-me a uma redefinição de "mim". Não se trata de uma "mudança", trata-se do atomizar de tudo, do desfragmentar da Alma para recriar e, simultaneamente, cocriar. E desfragmentar para conseguir cocriar é algo de quase alquímico. Reconheço agora, que este período que sucedeu à sua morte, não foi, não é e não será "apenas" um período de um sofrimento sem palavras, ele foi e é um tempo aniquilação total, para vir a ser um tempo de cocriação e de recriação de um Ser mais sábio. Ora todos sabemos que a sabedoria - passo o pleonasmo -  não nos chega sem sofrimento, pois é a capacidade de sobrevivermos ao mesmo que nos torna melhores. Não me interessa, nem nunca poderia aspirar a ser, um Ser Humano melhor do que os outros. Mas aspiro sempre a subir mais um degrau que me aproxime do Significado. 

Oito de Abril de dois mil e vinte e quatro! Não sei fazer previsões, e muito menos adivinhar o futuro, mas ambos sabemos - infelizmente bem demais - que somos capazes de antever algumas coisas. Infelizmente não entendemos de imediato o seu total significado, mas se nos sentarmos para observar o que lhes precedeu e sucedeu, sabemos que o Universo, na sua infinita sabedoria, nos tentou avisar. A si e a mim, pois você também tinha essa capacidade! Entendo agora que foi necessário raiar, rasar e digo mesmo tocar a loucura, para ver com clareza a sanidade, ou ter, finalmente, a sanidade da clareza. Ou será a loucura insana? Pois não sei!

Filho meu, se o Mundo soubesse o que tenho passado, o que passei, e o que passo, choraria lágrimas de sangue. Encontro-me onde tantas noites inesquecíveis vivi, onde tantos retalhos de sonhos planeados costurei, onde tantas vezes se viveu  a década de "Wooodstock", ao som dos sons de "seventies, eighties and nineties" (estes embora menos), numa Alegria imensa. Foi aqui que você me introduziu Dotan, um som que de imediato amei. Foi também aqui, ou é também aqui, que me questiono relativamente às minhas escolhas - aquelas que eu pude fazer, não as que me foram impostas! - e pergunto-me porque razão as fiz. Não sei. 

Mas sei que retiro delas alguma aprendizagem, e sobretudo, a força da Coragem, e com essa força, a Gratidão por me ter sido dada a possibilidade de tocar um átomo de Sabedoria. 

De uma fonte que secou não sai água. Isso é um facto, se está seca, ela já não brota da terra, nascente de vida. Mas é possível que sugando os últimos resquícios de humidade, nasça uma plantinha destemida. Um ser minúsculo, que só vingará com muita persistência, e, sobretudo, com muita vontade. Há verde entre as pedras. E quando essa planta crescer, milénios depois num Tempo sem tempo, porque o tempo não existe, nasce uma floresta. E esse aglomerado de árvores, dançando ao ritmo do vento ondulante, chama a chuva, e ela vem. E ela cai, e cai, e cai, e encharca o solo, alagando-o de novo, numa enchente torrencial. E um dia, da fonte velha e seca, volta a brotar a água. 

A água da Vida.

É Primavera. E amanhã vai haver um Eclipse total do Sol e um canteirinho para plantar, regar e amar.

Mil beijos da sua Mãe que o adora,

Mami



sexta-feira, 15 de março de 2024

15.3.2024 - One Day plus 225 - da Alquimia da Luz

 



Meu adorado Filho,

Pela primeira vez desde sempre no "ÉPICO", nestas cartas enlutadas, mas de onde conseguiu (sobre)viver o Amor, nestas missivas atabalhoadas, afogadas por entre os soluços do meu coração de Mãe, esta carta começa por não ter nem data, nem título. Não me pergunte porquê, já sabe que escrevo não com as mãos, mas só com o coração.

E o meu coração hoje é uma fonte de gratidão. De gratidão por tudo o que tenho aprendido nestes últimos dezanove meses de Saudade. Que caminhada, meu Deus, que tortura. Quantos espinhos tenho nos pés? Não mais do que os que tenho tatuados na Alma, e sempre menos do que as lágrimas que chorei! Quantos soluços damos por um filho que nos foi roubado, arrancado às entranhas da nossa Vida, na flor da idade? Quantos sonhos de Mãe, de Avó desse Filho, de Mulher, de Ser Humano foram desfeitos nesse dia?

Muitos, demasiados, inúmeros, mas não em número suficiente para que a jornada acabe aqui. Há muito para fazer quando o nosso coração entende a missão que lhe foi proposta, quando, para isso, somos e estamos embebidos de Luz (divina, angelical, filial, chamem-lhe o que quiserem)! A Luz está comigo, ela ilumina o meu âmago, alegrando o meu interior. Eu sempre soube, de uma forma ou de outra, que só assim poderia ser. Que só de coração aberto e de peito às balas conseguimos atingir aqueles raríssimos momentos de união com o Cosmos. 

Posso dizer hoje com a Alegria da gratidão, e não com a soberba da presunção, de que vivi  - ponhamos o verbo de outra forma, "que tenho vivido", é mais esperançosa - uma vida que sempre me desafiou. E que sempre superei. O Universo foi elevando a fasquia, e quando eu achava que não conseguiria aguentar mais, lá vinha a próxima. Digo também agora um obrigada do coração à minha genética, traduzida no Amor pela Caminhada dos meus antepassados, porque nada melhor do que o pragmatismo e a frieza de uma educação alemã, para equilibrar a emoção ao rubro e o coração aos saltos de uma alma latina: o resultado é quase que como uma forma alquímica. O Universo matou-me no dia dois de Agosto de dois mil e vinte e dois. E no mesmo momento em que decidiu implodir metade dos átomos do Ser Humano que eu conheci durante tantas décadas, veio trazer-me para os braços uma alienígena. Foi com horror que a vi nascer, como se de um monstro se tratasse. Aprendi a conviver com essa espécie. Ao início, só queria fugir. Aos poucos, tentei entender quem era esse ser, porque afinal, era mãe como eu.

Eu tenho dois Filhos. Um na Terra, o Porto de Abrigo das minhas, e nas minhas, tempestades. E outro no Céu, Luz que me invade quando a escuridão me quer abraçar. E eu?

Eu sou a Ponte. 

A Ponte entre os dois Mundos. 

A que decidiu que não vale a pena contrariar o Universo, a que finalmente se deixou flutuar. É tão mais fácil, que parece estranho nunca termos ter tido esta Epifania. Que foi preciso o tempo pelo qual tanto fui obrigada a lutar, batalha inglória que me custou outro dos grandes sonhos da minha vida, para eu chegar até aqui.

E chego de coração cheio. Porque tenho dois Filhos fantásticos. E porque fui capaz de retirar da maior dor que uma pessoa pode sentir, aquela dor maior que nos rasga tudo enquanto nos mata, fui capaz de coar o Amor, trazê-lo para cima, como que uma camada protectora de todas as emoções de que somos cozinhados. E foi essa capacidade que me faz sentir Gratidão. 

Sou abençoada. Pelos meus Filhos, Criaturas maravilhosas, pelas quais agradeço todos os dias. Pelos que me amam e me acompanham, fazendo-me sentir que não estou só no meu sofrimento. Pelos que consegui alcançar.

E sobretudo, sobretudo, por conseguir dar dignidade à voz do luto, este monstro escondido, do qual se fala em eufemismos, porque é demasiadamente complexo para entender, demasiadamente triste para o querermos partilhar, e demasiado ameaçador para o querermos receber. 

Mas é precisamente este luto que precisa de voz. E acima de tudo de...

LUZ!

(De coração cheio por todas as Mães e Pais que me escreveram)!

Mil beijos meu adorado Filho, da sua Mãe que o adora,

Mami

terça-feira, 12 de março de 2024

12.3. 2024 - One Day plus 222 - "Coutûre en carton"

 


Meu adorado Filho,

Hoje desfiz o atelier, e custou-me ter de empacotar a máquina de costura. A máquina, e tanta outra coisa. Mas não é o lugar que importa, é o que levamos connosco no coração. E eu sempre disse, que se a casa um dia pegasse fogo, as únicas duas coisas que eu tentaria salvar seriam o seu Altar e a minha máquina. Um está intrinsecamente ligado ao outro. Ambos vão no meu coração. E nas minhas mãos. E em todo o meu Ser. 

A sua Luz invade-me a Alma, tal como o sol dourado deste fim de tarde quase primaveril me invade o semblante, adoçando os traços que começam a relaxar. É essa Luz que deixo entrar em mim, para me guiar e me aquecer. Sem a sua Luz, que agora já não precisa de me enviar sinais para eu a entender, porque essa Luz está em mim, ela nasce do âmago da minha Alma e guia-me, não conseguiria. Faltar-me-iam as forças necessárias.

E no intrincado puzzle que é o xadrez da vida, nesse monopólio de surpresas, escritas em mil idiomas tais qual scrabble bem jogado, por vezes, também o póquer nos vai dando umas mãozinhas, e tudo se conjuga neste jogo onde tudo se move; em ínfimos passos, mas move.

É bom sentir o movimento dessa ondulação. É como se de uma mão de criança se tratasse, que com um colete encarnado e branco às riscas maior que ela, sentada num barquinho de vela branca, mergulha, com gosto, os dedinhos na água salgada. Que saudades das suas mãos meu Filho! Do seu toque enquanto humano, do cheirinho da sua pele, sempre tão macia e fresca. 

- "Oh Mãe, tá doida Mãe? Pelo Amor de Deus, Mãe", naquela sua voz tão doce e ao mesmo tempo tão expressiva das suas emoções. Que saudades de si enquanto ser físico. Mas eu ouço a sua voz dentro de mim, exactamente como se aqui estivesse. E está. Apenas de outra forma. Tal como o meu luto, que começo a tratar por tu. Qualquer dia conseguimos passar meses em amena cavaqueira sem nos chatearmos. Mas até lá ainda tenho muito que chorar. Mas está melhor.

Foi muito muito muito duro tentar seguir este caminho da Luz, mas foi o caminho certo. Pelo menos foi o meu Caminho. Matou-me uma vez mais ter de me desfazer das suas coisas apenas um mês depois da sua morte. Não, errado, desfazer não, dar-lhes outro destino, mas foi muito bom para mim ter de passar por mais essa provação. Esgotou-me a voz ter de explicar aos outros porque precisava de tempo, do meu Tempo e não do tempo que os outros consideram o Tempo ideal, porque quis fazer as coisas à minha maneira. Porque à medida que o meu coração se abria a esse caminho, a vida foi acontecendo, obrigando-me a deixar fluir.

Aprendi que é muito mais fácil deixar ir, sentir a ondulação tal como a criança, do que a contrariar. Gasta energia. E tempo. E outros recursos que são muito mais preciosos, porque nos ajudam a construir, tal como o jogo do Catan.

O que é a Vida senão construir novas "aldeias"?

Mil beijos da sua Mãe que o adora,

Mami

sábado, 9 de março de 2024

8.3.2024 - INFINITY plus 1 - O Milagre do Amor, acendamos a vela!

 


Meu adorado Filho,

Espere só um segundo, tenho de acender a vela do seu Altar. 

Pronto, já está, agora sim. 

O aroma fresco a manjericão, eucalipto e menta paira no ar silenciado deste campo encharcado, ensopado do Amor que emana a jorros do meu coração. 

Martim...meu Filho, minha Luz, meu Anjo da Guarda, não tenho palavras. Não as tenho, porque o Universo provou que sou eu quem está certa: a plenitude (ou quase, sejamos sinceros!) da Paz, atinge-se de coração aberto aos Outros, de peito às balas. Foram precisos cinquenta e sete anos, alguns meses e uns dias, para perceber - finalmente - que tenho razão quando sinto que só assim se consegue. Só assim se consegue.

A Dor Maior só é passível de suportada através do maior Amor que conseguimos oferecer, dádiva do nosso ser mais íntimo, dos nossos sonhos, das nossas memórias. Filho, como poderei alguma vez agradecer o sonho que tive, onde me foi dada a benção de tocar a sua pele, afagar o seu cabelo e ouvir a sua voz de criança a falar comigo? Oh meu Filho adorado, que honra ter podido, um dia depois, prestar-lhe homenagem, com uma pessoa como a Júlia, com  tanta sensibilidade e entendimento.

Filho, ainda sorrio quando os cépticos me desafiam, e só digo isto: dia 7.3., ou seja, precisamente um ano e 7!!! meses depois, saí das Trevas e abracei a Luz na totalidade da sua infinita plenitude, que se varram os pleonasmos para baixo da mesa, porque o que conta, são os números enquanto sinais.

Martim, não tenho palavras. O meu coração transborda. De tudo, recheado de Amor. Quantas lágrimas verti no último ano mais sete meses? Talvez milhares de vezes mais do que a maioria dos Seres Humanos. Quem consegue descrever melhor o sentimento da SAUDADE intrinsecamente sentida em cada átomo da minha Alma e em cada poro da minha pele? Quem senão eu?

E, conquanto, ao mesmo tempo, quem sente maior Amor e Gratidão? Sabe Filho, já percebi que podemos tentar expiar os pecados em Vida, para, na vida, almejarmos à VIDA eterna, aquela que não tem plano, porque não é preciso planear o horizonte, uma vez aue ele sempre lá esteve, ao alcance de um perdão, de um abraço, de compreensao.

Somos milenares Martim e não tenho palavras para lhe agradecer o ter-me escolhido. Através do maior sofrimento que se pode conhecer - e há quem me dissesse reconhecer - somos parte de um Universo que não tem paralelo. 

Vivemos na saudade da partida prematura. Mas também celebramos a (sobre)Vivência, hoje com maiúscula, porque tão grata pelos meus Terrenos, humanos e canídeos. 

Ah, Martim, tão bom sentir esta Luz de Força e esta Força de Luz...

Celebremos o AMOR!

Mil beijos da sua Mãe que o adora,

Mami

sexta-feira, 8 de março de 2024

7.3.2024 - One Day plus... INFINITY, hoje propositadamente sem número, porque foi no dia 7!!! - Sobre NÓS!

 



Meu adorado Filho,

É tarde. E estou cansada, mas de coração tão cheio. 

Espero que esteja feliz. Eu estou. Muito. 

Acho que lhe fiz uma grande homenagem. Aquela que você merecia, mas acima de tudo, a que todos os Pais merecem e os Filhos do Céu também. O Céu precisa de Anjos e nós de Esperança. E hoje fizemos a ponte, graças à Júlia. A ponte entre este e o outro plano, o seu.

Martim...não me vou alongar muito, porque sei que você esteve presente, a espreitar, levemente inclinado, como sempre, sobre o meu ombro direito, e assistiu a tudo, Foi intenso, catártico, especial. Como só uma Mãe, a recordar um Filho assim, pode ser. Fomos, estivemos, estamos e continuaremos. Sei qual a minha missão na Terra, sei - finalmente -  qual vai ser a minha jornada, e sei que o Universo está em movimento, como se de um perpetuum mobile se tratasse. Sei qual o meu caminho. Sei que tenho uma missão. Uma missão de Amor.

Filho, tenho o meu coração a transbordar. Foi difícil, muito, muito, muito difícil. Mas gratificante. E especial. 

Foi...ÉPICO!

Amo-te meu Filho lindo!

Obrigada pela força, pela coragem, pela inspiração, pelas mães e pais que cruzam o meu caminho, pelas lágrimas que partilhamos e pela saudade que sentimos! Obrigada pelo Amor e por tudo o que vivi consigo nos (breves) 26 anos da sua Vida. Obrigada por ter nascido e crescido em mim, comigo e por mim.

A nossa Vida está a começar.

Vamos arregaçar as mangas que há imenso para fazer, muitos pais para consolar, muito luto para aliviar.

OBRIGADA meu Amor!

Mil beijos da sua Mãe que o adora,

Mami

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

21.2.2024 - One Day plus 202 - exactamente um mês depois, e foi por acaso: "ashes to ashes"!

 



Meu adorado Martim,


Começar? Mas começar por onde, se o fim é o princípio e no princípio era o Verbo? Como explicar ao âmago do meu coração, e ao tronco do meu cérebro, que não tenho conseguido sentir a dor, anestesiada por tanta, mas tanta pancadaria, que mais se assemelha a um ringue de boxe?

Não tenho resposta para essa pergunta que não sejam duas hipóteses:

- Fui iluminada por um Anjo, Alma que me (e)leva para além da dor humana, Filho protector, colo que me aconchega neste desalento, praia onde desaguam os destroços do meu ser, atirados por vagas gigantes, filhas de tempestades sobreviventes de ventos agrestes e cortantes, herdeiros do bisturi da saudade, a que me rasga diariamente as entranhas. 

Saudade que, tal como um tesouro resgatado, resguardado e protegido, é escondida na areia, cova escavada, esgravatada e sofrida com as unhas da tristeza, garras afiadas que me rasgam a Alma e nela tatuam, na cor-do-meu-sangue, de novo aquele sentimento de não-retorno, aquela palavra que traduz tudo, porque tudo significa: SAUDADE!

- Estou anestesiada e sofro de patologia de dupla personalidade, tratando na terceira pessoa um "EU" que desconheço, uma qualquer "Joe Doe", orfã de uma Felicidade, filha do infortúnio que bate à porta de forma inusitada, em passos acelerados, e consigo leva toda a roupa branca que corava num estendal.

Qual delas não sei..."São Cinzas, Senhor", as que trago no meu regaço, tão sofrido, tão martirizado, tão massacrado, mas que se irão transformar em flores de Amor, campestres e frescas, como os lírios roxos que já teimam em brotar, nesta Primavera efémera que nos assola, neste campo abençoado!

São cinzas, Filho, porque o que nasce das cinzas de um Filho, é sofrido, é dilacerado, é chorado até ao âmago, tal como as pequenas sementes que plantei em Setembro passado, e que só agora deram flor, mas só algumas, outras morreram, fazendo dos vasos largos de barro, cemitérios de cores que não viram a luz do dia, rebentos enterrados no escuro da terra. E das cinzas nascem flores, mas também nascem cinzas. Ou as cinzas voltam a arder, no cinzento de dias tristes, para das cinzas, algo brotar. Quem sabe, um dia, quando todas as batalhas estiverem ganhas (ou perdidas, entreguei ao Céu!), e finalmente eu puder respirar, sem ter medo que o bafo do meu suspiro acorde os monstros universais uma vez mais, para me assombrarem, martirizarem e me torturarem, quem sabe nesse dia, num alpendre branco sobre uma Quinta perdida algures no interior, onde ao longe perto se (ante)vê uma horta a dar Vida, alimento e sustento a uma família, três gerações se encontram. A Oma, que de cabeça branca adormecida sobre o peito, ronrona uma sesta preguiçosa enquanto eu lhe rabisco mais uma carta, para lhe descrever a sua sobrinha, minha neta e dela bisneta, que pequenina, num vestido branco de "piquê" com favos bordados a cor-de-rosa, brinca com uma cadela preta, que lhe lambe a cara toda, provocando-lhe gargalhadas.

E é essa (ante)VISÃO dessa Paz que me acompanha, nesta Caminhada! Façamos das cinzas...

...AMOR e ESPERANÇA!

Mil beijos de cor(ação) meu adorado Filho, para contrabalançar a dor,

Com muito Amor, da sua Mãe que o adora,

Mami

 


domingo, 21 de janeiro de 2024

21.1.2024 - One Day plus 171 - Da (In)saninade! ou..."All that we perceive"

 




Meu adorado Filho,


Há quanto, quanto tempo, e, ao mesmo tempo, que rápido que passa o tempo, este ora fluir, ora arrastar dos dias, do amanhecer ao ocaso, em dias que acontecem por acaso, sem qualquer nexo, numa causalidade que não cessa de me espantar, porque neste tempo que se arrasta a uma velocidade furiosa, muita coisa acontece. E nesse acontecer, mudamos. 

Hoje, aliás ontem, porque já passa da meia noite, tive uma notícia maravilhosa. Bem, nem é bem uma notícia, é uma transformação. Uma das minhas Mães mais queridas, aliás, a mais querida, mais uma Guerreira, que ofereceu o seu único Filho ao Céu, está transformada. Que maravilha que foi ouvir a sua voz solta, célere, viva e ágil, a brotar informação, enquanto antigamente se arrastava, num lamento envolto na tristeza da lamúria, num compasso desfasado e desafinado de uma melodia fúnebre.

Nutrimo-nos uma à outra. Choramos juntas, rimos juntas, e uma à outra vamos contando sobre os sinais que recebemos. Vamos partilhando memórias, falando deles, que são tão parecidos, dos nossos Filhos do Céu, e nessa partilha, conseguimos viver um luto sem nos deixarmos envolver pelo luto. Viver o luto é tratar por tu a SAUDADE, que não diminui, antes pelo contrário. Ela aumenta, à medida que cresce a soma dos dias, em que finalmente aceitamos que eles já não estão neste plano. Que partiram. Mas a aceitação, aquela muda resignação que não queremos deixar entrar, contém em si um segredo: ela SUAVIZA a dor. Ela não diminui a sua intensidade, ela apenas - e, conquanto faz TANTO - ela lima-lhe as arestas afiadas, de forma a que não nos rasgue tanto as entranhas. Ela teve um lindo presente de Natal do seu Filho adorado. Uma dádiva que não tem preço, porque vem do Universo, daquele lugar omnipresente, onde os nossos miúdos se encontra(ra)m. Um enorme coração se desenhou no Céu, feito por nuvens. Quando ela me enviou a fotografia, fiquei tão feliz por ela, porque se há alguém que merece, é esta Mãe. Esta Mãe que não conheço pessoalmente, cujo corpo nunca abracei, cujo peito nunca estreitei contra o meu, é talvez uma das pessoas mais importantes da minha nova vida. precisamente porque ela é a prova provada de que o Amor não necessita de um corpo físico, porque é força universal. Não ponho qualquer dúvida, e muito menos em dúvida, (d)a profundidade da amizade que nos une, do calor da ternura da voz com que nos consolamos, na generosidade de uns braços escancarados, porque entendem a dor decalcada, de Mães roubadas, de Mães que questionam muita coisa, mas que em vez de chorarem a partida, agradecem a presença, por muito fugaz que ela tenha sido.

Meu Filho, há dias em que duvido das minhas memórias, e nesses dias sinto-o longe, muito, muito longe, o que me custa, mas que me sossega, porque o sei muito perto do Divino. Nesses momentos de esquizofrenia, chego a duvidar que fui sua Mãe, porque me parece que vivido noutra vida. São momentos que nos fazem questionar muita coisa. De todos os meus Guias, você é o que está mais perto do Sol. Mais perto da Luz. Mais perto - repito - do Divino. E nessa proximidade, está longe, muito longe de mim, e nesse afastamento, vive em mim, e a sua força divina entra em mim e dá-me uma resiliência de que jamais sonhei que seria capaz. 

Essa resiliência raia a (in)sanidade, porque é de tal forma forte, que não sei onde a vou buscar, mas vou, numa rebeldia que ninguém me tira, porque encerra em si a sua também. 

Meu adorado Filho, obrigada pelas melhoras da Oma. Sou agora "multitasker", malabarista de tarefas, desde há duas semanas também género "meals on wheels", separados em minúsculos tupperwares de dose única, para que seja mais fácil. E tanto amor que ferve e depois congela em cada um!

Martim, obrigada pelo seu sinal. Obrigada por me ter apontado o coração do Anjo e pelo canto da coruja de há dois dias. Quanta saudade tinha dela. Obrigada meu Filho por estas visitas. Este Anjo, que comprei para por no meu presente de Natal, que você e o Mano me ofereceram, mas que não tinha etiqueta, e a Oma, na sua perfeição natalícia, vos obrigou a pedir-me para eu comprar. E de você não querer escrever no Anjo, porque me disse: 

- "Oh Mami, que estupidez, já lhe demos o presente, o Natal já foi ontem, para que é que vou escrever?" 

E eu fiz uma birra tal, que você e o Mano desistiram, e lá rabiscaram qualquer coisa. Foi esse o nosso último Natal juntos. Foi Felicidade pura, foi loucura, foi acampamento naquela casa minúscula, onde fomos tão felizes, e que você dizia que ficava por detrás do sol posto. Pois é precisamente nesse crepúsculo desse horizonte, onde vivemos agora, e onde o celebro, meu Filho, sempre que passeio pelo campo, depois de finalmente ter podido lavar e estender roupa ao fresco, porque esteve um dia de Sol. 

A noite está gelada, estrelada e escura, o meu coração quente, porque aconchegado por um braseiro incandescente, que jamais se apagará, porque quem é recordado nunca morre.

Boa noite meu Anjo querido, mil beijos da sua Mãe que o adora,

Mami

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

2.1.2024 (para mim ainda 1.1.2024) - One Day plus 151 - BAGA

 



Meu adorado Martim,

Há tantos dias que lhe queria escrever, mas não conseguia encontrar as palavras no tumulto do meu coração. Agora, mais apaziguado. Ou menos dorido, sei lá eu. 

Meu Filho...mataram-me a Poppie no dia 24.12. ao final da tarde. Foi atropelada e fugiram. Era um dia "normal" de véspera de Natal, tal como o dia dois de Agosto de dois mil e vinte dois. Até que um telefonema me virou a vida ao contrário novamente. Sei que para uns, é "apenas" um cão. E sim, era. Mas para mim era a fonte dos meus afectos, onde depositei esperança, amor e vida, uma cadela fantástica, que eduquei a tanto custo, numa réstia de um sopro de vida que ainda existia em mim. Achei que enlouquecia, enquanto ouvia a voz aos soluços do Miguel. Uivei de dor. De desespero, de frustração, de desgosto. Revivi o dia da sua morte, quando o Miguel a trouxe, ensanguentada e inerte, envolta num casaco, e a sepultámos ao lado da Foxie. Chorei de mágoa, gritei ao Universo, porque - caramba - quanto mais pode um ser humano aguentar sem se ir abaixo, que mal fiz eu para me acontecer mais este infortúnio, quanto pensa o Universo que eu aguento sem desistir? 

Mas não desisti. E fui buscar a Baga. A Baga que é uma alegria. Mas sinto-me vazia Filho. Vazia e cansada, cansada de dar. Dou com Amor. Sempre, mas também gostaria de ter um pouco de Amor de volta. A Baga dá-me o amor inocente de uma cachorra de dois meses. Só faz asneiras, e eu sinto-me velha e pesada, conquanto esteja cada vez mais magra, porque o sofrimento pesa. Pesa toneladas. Pesa uma vida (in)acabada, cosida em retalhos de pano cru, remendada e esfarelada, exprimida até ao tutano, num túnel de escuridão de onde tento todos os dias sair, mas cuja porta me está sempre a ser mudada de sítio. 

Começo a desenvolver uma fobia, a de que todos os seres que amo, me são roubados. Tenho a perfeita noção de que não vai ficar por aqui, e é essa suspeição que me rouba o sono e a força.

Passei o Natal em modo automático, e ainda bem que o Mano e os Amigos cá estiveram, porque me obrigaram a manter o foco. Mas por dentro, toda eu era lágrimas. Fui rio salgado, chorado, tumultuoso e revolto, remoinho da espiral, na cascata de que sou feita. 

Martim, sei que estou certa, conquanto viva algo semelhante a "Voar sobre um Ninho de Cucos"! Querem-me fazer louca, aqueles que, precisamente, advogam a vida livre e o livre arbítrio, os que defendem a liberdade (de expressão individual), mas que rapidamente se contradizem, quando a mesma pede alguma compaixão, ou compreensão ou o que quer que seja. 

"Walk your Talk" é tão fácil de verbalizar, mas tão difícil de viver, porque as pessoas são um poço de egoísmo, e a sua pseudo-empatia, só serve os seus propósitos, porque quando se trata de "ESTAR", foge tudo. Bom, tudo não. Há pelo menos, uma pessoa que ESTÁ. O meu Mano. O meu Mano entende-me. Não tendo filhos, é empático, e ama-me, na inocência de um amor que nada pede, e tudo (me) dá. Entende que existe um buraco na minha Alma, um buraco negro, que só se apazigua com Amor. É a única pessoa neste Mundo que nada me pede, que lê (n)os meus silêncios a mágoa que me assola, que está presente, de corpo e de alma, num Algarve que vai surgir, trazendo-me o mar à palma da mão, com o sal que me purifica. A única pessoa que defende o meu ponto de vista, e que me assegura que loucos estão os outros. Todos eles, no seu egoísmo, de que há prazos para curar um sofrimento que é incurável. 

Todos exigem. TODOS. Ninguém pára para pensar, que é precisamente essa exigência que dá cabo de mim. Porque não sou, não fui, não apareci, não visitei, não fiz, não aconteci, não comprei, não calei no meu âmago as minhas necessidades emocionais. Ninguém pára para pensar que, quem precisa sou eu. Não os outros, porque as suas vidas continuam de uma forma ou de outra. Foi a minha que ficou suspensa. E um dia, quando eu fechar os olhos e for ao seu encontro, nessa altura vão dizer: 

- "Caramba, que poço de energia esta mulher. Que garra, que stamina, que força da Natureza!"

Irei deixar algumas saudades, disso não tenho dúvida. Pelo menos, aos que me amam de verdade. Os outros, consolar-se-ão depressa, mas também me estou a borrifar para isso, porque quando for, vou para ao pé de si. Vão chorar muito, como quando você morreu, mas depressa a vida os vai engolir, na sua sofreguidão gulosa, derretendo no seu estômago qualquer resquício de saudade que teime em existir, e seguem. No "fast lane" do "live and let live", os afectos de hoje em dia são rápidos, intensos e deixados para trás. É o preço do modernismo numa sociedade cada vez mais superficial (e supérflua)! Tudo é momento. Tudo é consumível. Defendo que o Amor não o é. Mas também, hoje em dia, sou mais advogada, não do Diabo, mas dos Anjos. Defendo o significado de muita coisa.

Meu Filho, deixei as passas no bolso, não pus o pé direito à frente, não fiz nada. Simplesmente vivi, um dia de calendário como outro qualquer. 

Estou. E sei. Sei, naquela sabedoria ancestral, milenar, pedra basilar da minha existência, premonição em tempo real, sobre um futuro que irá acontecer. 

E enquanto a vida se desenrola, a Baga está. Comigo.

Obrigada meu Filho do Céu, meu Martim, meu Amor querido, meu Anjo!

Presumo que no Céu não haja tempo...

...

Mil beijos da sua Mãe que o traz para sempre no seu coração,

Mami!

25.4.2024 - One Day plus 266 - (Still about) the Intrepids, the Freedom Lovers, the Crazy Ones...

  Ahhh meu adorado Filho, Que DELÍCIA!  Está tão, mas tão perto de mim e obrigada pelos sinais que me vai enviando, hoje especialmente.  O &...