segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

27.2.2023 - One Day minus 208 - "Diana, Princesa das Mouriscas"

 





Meu Amor adorado,

Há alguns dias que não lhe escrevia, mas tem uma razão de ser: decidi dar vida a alguma coisa. 

Vida, "soit disant", porque vida é uma palavra que hoje em dia tem um significado totalmente diferente no meu léxico. A costura, como lhe disse, traz-me alguma paz, porque é meditativa, e consequentemente acaba por se tornar numa espécie de terapia. Num dia especialmente difícil da semana passada, em que a saudade pungente me envolveu de novo no caldeirão das emoções, no meio das lágrimas da Saudade, tive uma epifania, uma visão, que decidi concretizar: criei a nossa "Diana". 

Sua e minha, porque ambos sabemos que seria o nome de uma filha sua, neta minha, a que não terei, e no entanto, cada Diana que sai das minhas mãos com a ajuda da máquina de costura, e com todo o meu Amor, é uma espécie de momento de paz que me invade. A Diana, Princesa das Mouriscas, é uma menina divertida, curiosa e alegre, ou não fosse ela quem é. Adora visitar a Oma Ana, que vive no campo, e dar laranjas às ovelhas e às cabras. Enquanto costuro e escolho o padrão dos vestidos e a cor dos sapatinhos, sonho. Sonho e imagino o que seria se fosse realidade. Conto-lhe histórias de encantar, e tenho inúmeras conversas com ela. Sou transposta para o Mundo da fantasia, da alegria e do amor, ainda que momentaneamente e apenas por alguns minutos. Mas ajuda! 

Passei os últimos dias a costurar, com carinho redobrado nos pormenores, e o resultado está à vista: tive algumas encomendas. Não me admira, a Diana é feita de AMOR! O Mano disse-me logo para abrir um negócio, e dei uma gargalhada. Eu? Eu que não me consigo lembrar do que me disseram há duas horas, abrir um negócio??? Surreal! Mas o que é facto, é que de apenas de boca a orelha, já tenho várias Dianas para criar. São horas à máquina, horas a imaginar uma criança de vestido às florzinhas a correr aqui pela Quinta, e a vir ter comigo, a sua mãozinha na minha, para lhe mostrar as maravilhas da natureza, contar histórias de fadas e duendes e fazer precisamente o contrário do que se faz hoje: fugir dos telemóveis, tablets, televisões e afins, e descobrir que cada pássaro tem um chilrear diferente, que cada planta nasce a uma certa altura do ano, que as ovelhas dão pelo nome e nos vêm comer laranjas à mão, porque reconhecem a nossa voz. 

E trazer a Diana à Vida ou à vida - talvez eu prefira, neste caso, a maiúscula - é celebrar o Amor que nos une, que transcende o tempo e o espaço, e que continua para além da morte. 

Hoje fui à Doutora Ana Carolina, e por isso, foi um dia bom. A Doutora Ana Carolina é novíssima, ou pelo menos parece, porque só lhe vejo os olhos, o resto está escondido atrás da máscara, mas é sábia. A a sua expressão transmite empatia, carinho e compaixão. Ela ouve-me, tem tempo para aturar os deltas das minhas conversas, quando se perdem na miríade de pensamentos que me invadem, e não me julga. Sobretudo não me diz o que tenho ou não que fazer. O que por si só é fantástico. Perguntou-me hoje de que cor era o meu Luto. Que poderia responder? Ele é preto breu, riscado no cinza plúmbeo que marca o desenrolar dos meus dias, que só ganham cor enquanto faço nascer Dianas de vestidinhos floridos e lacinhos cor-de-rosa.

Mas continuo a ter momentos de Paz, e isso não tem preço. Conquanto as noites sejam sempre muito mais duras, os dias, que à medida que se sucedem vão crescendo, estão mais salpicados de momentos de calmaria. Aquela sensação que hoje em dia parece um milagre, pelo bem-estar que me invade: instantes de descanso na luta incessante contra o cinza da tristeza. E cada instante de descanso, ajuda-me a ter a força necessária para enfrentar o vulcão da saudade, quando este ameaça irromper.

Também já temos a cerca da horta pronta. Vai ficar um espaço enorme, e vai ser este ano que posso ter vários carreiros de cebola roxa. Agora ando a negociar com o Miguel o que vamos plantar. Ele sempre com a mania das beringelas e das curgetes, e eu a defender os alhos franceses e os pepinos. Se não fosse o campo, não sei o que seria de mim...mas a vida aqui tem outra simplicidade, que acaba por acalmar o desassossego da Alma.

Meu adorado Filho, tanta falta que me faz! O que daria eu para discutir tudo isto consigo, ouvir a sua opinião, e um dia, sentir a mãozinha da Diana na minha...

...até lá, ponho AMOR nas Dianas que, espero, façam as delícias das pessoas para quem as criei!

Mil beijos meu Amor, da sua Mãe que o adora,

Mami


sábado, 18 de fevereiro de 2023

18.2.2022 - One Day minus 199 - Mudanças

 




Meu adorado Filho,

Escrevo-lhe com e sob uma nova perspectiva, literalmente falando: mudei o escritório todo; detalhes mais à frente, e penso que também mudei a minha perspectiva sobre a costura, e com ela, sobre os pontos como decidimos alinhavar a nossa vida e quais as linhas que escolhemos. 

A costura envolve-nos de uma forma suave, mas muito criativa, e acima de tudo, meditativa, e consequentemente, tranquilizante. Já lhe escrevi detalhadamente sobre isso e não vou enumerar uma vez mais as vantagens desta terapia barra "hobbie" que descobri, pois já sei que me vai responder:

- "A Mãe tá toda queimada, já me contou da costura pelo menos um milhão de vezes!"

Portanto vamos ao espaço físico: mudei o escritório. Começava a ter muito poucos metros quadrados para toda a parafernália que este novo "hobbie" exige, e além disso, começo a ver mal ao perto, precisando, por isso, de mais luz. Não me fazia sentido ter uma janela de cada lado, e ter a secretária virada para a parede. Sobretudo agora no Inverno, em que a luz ainda é pouca. No Verão talvez volte à posição inicial, por causa do calor, mas agora é diferente. Fico portanto, de frente para uma das janelas, da qual vejo o jardim com os Medronheiros, as Oliveiras e vislumbro, ao longe, o pôr-do-sol. Pus uma pequena mesa em T, mas é desmontável, logo não conta para a disposição estética do espaço, mas apenas da funcional. Ao mesmo tempo, a cama que está transformada em sofá, fica numa posição muito mais agradável para os solteiros que cá venham dormir porque encostada a uma parede interna, logo mais quente. Em suma, gosto do espaço. O Miguel diz que vai ficar a divisão da casa para eu mudar à vontade sem ele se passar dos carretos, porque tem o pavor das minhas mudanças constantes, sempre em busca do que mais me apraz esteticamente. 

Mudei também o meu ponto de vista sobre o Luto de Mãe. Ele é inultrapassável, e é intemporal, infinito e constante, mas torna-se, com a Aceitação, um Luto menos pesado e acutilante, suavizando-se muito lentamente. Não deixa de ser curioso, e talvez possa ser explorado filosófica e medicamente, é como quando sentimos o nosso Filho pelas primeiras vezes no nosso ventre. De início é como se de uma borboleta se tratasse, depois são mais borboletas que nos fazem cócegas e nos mostram que aquele milagre de Vida dentro de nós cresce, um pouco mais a cada dia, e o nosso Amor cresce com ele. O (meu) Luto está a ser assim. A Paz que senti de início foi apenas um vislumbre, uma perene sensação de bem estar, porque de calma, de menos peso daquela dor pungente e torturante. E aos poucos, a Paz foi ficando por mais tempo. Segundos, minutos, horas, e agora, já lá vão uns dias. Claro que estou sempre à espera do embate, porque sentir um pouco mais de Paz ao fim de quase sete meses de tortura, sabe-me a um pedaço de Céu e não acredito que perdure, mas ao mesmo tempo, penso que só depende de mim ela perdurar.

Eu tenho a certeza de que a nossa ligação vai muito, mas muito para além da morte, ela vive noutra dimensão, caso contrário, eu não poderia sentir o Amor que sinto dentro de mim. E transformar a Dor em Amor, a cada dia que passa, é a melhor arma contra o Luto. Mas esse Amor, só o Filho dos Filhos, uma Criatura com a sua Luz poderia estar a enviar-me. E por isso eu sinto Gratidão. Porque sou uma privilegiada entre as Mães, porque carreguei, trouxe à Vida, amei e amarei, até depois da minha morte, um Ser de Luz. Sou tão grata por isso meu Filho! Por essa dádiva maravilhosa que o Universo me deu, o de ser sua Mãe e do seu irmão. 

Mudei também o horário das nossas cartas: escrevo-lhe, pela primeira vez, com a luz calma do ocaso que já passou, até ter transcrito a nossa conversa astral.

E agora que lhe esvaziei o meu coração, porque sei que vai ficar alegre e orgulhoso, vou para a costura, que hoje é o Miguel a fazer o jantar, e porque temos que consumir as dezenas de ovos que temos, vai ser "cheese-tomato-onion meets" tortilha, porque temos imensos restos de legumes e batatinhas assadas para aproveitar!

Mil beijos meu Amor adorado,

Mami

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

16.2.2023 - One Day minus 197 - Da Paz e de outras reflexões

 



Meu adorado Filho,

Sim, já vi, já vi, esse sorriso maravilhoso daí do Céu. Sinto a sua mão pousada no meu ombro direito enquanto escrevo, e sei que me está a espreitar, certo? Hahahah, "busted"!

Meu Filho, meu Amor, ouço pela primeira vez o "Fall" dos Dotan sem chorar, ou - e ainda melhor - a sorrir. Que dádiva do Universo, meu Deus, que Alegria, que Gratidão! Filho...o mais provável é daqui a uns dias sentir-me a morrer de novo, não sei, mas por enquanto, aproveito as tréguas da mágoa e da dor, para continuar a desfrutar destes dias de...

...PAZ!

Das duas uma, e repito o que lhe escrevi numa das nossas cartas, ou estou decididamente a enlouquecer - o que não me espantaria de todo - ou estou a tentar sobreviver, dando um significado totalmente diferente à (minha) vida. Uma coisa sei: o campo tem-me oferecido uma (grande) calmaria, e a procura incessante de ocupar as mãos, mantém-na. Os meus dias não são passados no ócio, os meus dias são passados a costurar, a restaurar móveis, a visitar a Oma sob mil e um pretextos, e, confesso, porque sou egoísta e a quero manter aqui, a resgatar a Branquinha e o Trinta e Um do terreno do vizinho, onde, decididamente, a relva é de facto, mais verde que no nosso, onde já rataram tudo, a proteger as novas galinhas da sociedade organizada pelo Piu-Piu, pelo Galo Grandalhão, Galito, Vite-Vite, primos e demais congéneres familiares, e a apanhar fruta das árvores. Mas adianto-me, vamos por partes:

Então comprámos três galinhas novas: uma de ovos azuis e duas de ovos de chocolate. Quando contei à Oma, achou que eu estava a gozar, e foi preciso a Célia, nas suas infindáveis pesquisas, a descobrir na net de que espécies se tratavam, para ela acreditar. (Mais difícil foi convencer o seu irmão, tive de lhe mandar vários links para ver que eu não estava a mentir), mas inserir as galinhas na hierarquia das aves cá da Quinta, não foi fácil.

Depois ponho a cabeça do Miguel em água, com as ervas daninhas que temos de arrancar, e os projectos para novas plantações. A Branquinha, o Trinta e Um e a Mocha comeram-me metade da Cameleira, e apanhei uma fúria. Como ainda não tive tempo de comprar rede como deve de ser, improvisei uma armadura com o estendal portátil, a ver se sobram algumas folhas. Até agora, tem dado resultado. Isso e a esfregona, arma ameaçadora, mas que funciona, quando a iço da janela pequena da cozinha! Comprámos ainda uma árvore de Mirtilos e uma Cerejeira, mas ainda é cedo paras ver se pegaram, e quando começarem a dar folhas, assegurar de que se encontram devidamente camufladas da fome das ovelhas e das cabras!

Os dias a crescerem e o Inverno a ceder ajudam-me imensamente, juntamente com o colo suave do campo, e a liberdade que é necessária para sarar - ainda que superficialmente - a minha ferida MAIOR. Todos os Pais de(s)filhados deveriam poder estar em casa o tempo mínimo necessário para, pelo menos, se conseguirem levantar da cama sem vomitar e sem quererem voltar a morrer uma vez mais, ao invés de enfrentarem um novo dia! E esse tempo mínimo não deve ser estipulado por ninguém, mas sim pelo nosso coração. É uma quase que uma obrigatoriedade que a sociedade deveria ter para connosco, nós que perdemos o Norte e o Sul, tudo ao mesmo tempo!

Mas adiante...tenho infinitas saudades suas, e imagino o quão deve estar a alterar a ordem calma das coisas aí no Céu. Como o conheço, anda tudo num reboliço! 

Meu Amor, meu Filho lindo, minha Saudade e minha Ternura, sei que está orgulhoso. Eu prometi, e cá estou eu! Sei que sou triplamente abençoada. E sei que a lição de Vida que você me ensinou é indelével, "life-saving", e incrivelmente exemplar: só o AMOR salva uma alma de mãe. Só o AMOR e o exemplo de Vida de um Filho excepcionalmente iluminado, especial e único, me possibilitariam transformar...

A DOR em AMOR!

Obrigada, meu Filho, pelo exemplo! O Amor transvasa o tempo, o espaço e o Universo, e UNE-NOS, hoje e sempre, e é esse AMOR que me dá a possibilidade de continuar...

...a caminhar!

Tim meu Filho, minha Vida, O B R I G A D A! 

Amo-te Filho lindo!

Com Amor e uma saudade infinita, mas apaziguada,

Mami


P.S. Deixo-o com a minha primeira Estrela para crianças! 

sábado, 11 de fevereiro de 2023

11.2.2023 - One Day minus 192 - Dos pais orfãos de Filhos!





Tim, meu adorado Filho,

Palavra do dia? Do mês? Da minha existência? 

SAUDADE! Aquela que rasga e fere, dilacera e corta, mas que se atenua perante a PAZ. 

Tim...a força nasce do Nada, cresce, cria e multiplica, no Amor e na Saudade. A força de continuar. E eu continuo e continuo a achar que as minhas opções estão certas. Aprendi a ouvir mais o meu coração. E as minhas entranhas. Elas gritam por si, mas nos últimos dias não se revolvem tanto dentro de mim, é como se a motilidade se tivesse instalado. Eu sei que estou certa, pelo menos, no que é para mim. Mas não é fácil (con)viver com a pressão. Para quem não passou por "isto", é fácil. É fácil julgar, tirar conclusões, e pensar que é tempo de seguir em frente. Não há comparação entre qualquer outro tipo de luto e este. Não existe, e desenganem-se os que são rápidos a julgar, porque a morte de um Filho é inultrapassável. Não se colmata, não se segue em frente, não se é forte. Antes pelo contrário. É o VAZIO total e absoluto, a dor que nos mutila e transtorna, que nos impede de funcionar. E nesta dor, nesse vazio, é fácil sucumbir à tentação de não fazer nada. De não querer acordar, de só querer dormir, para sonhar. Mas a vida chama-nos. Nem que seja em prol das memórias de um Filho incrivelmente perfeito, lindo, cúmplice e Amigo. E esse Filho, esse ser de Luz quere-nos a seguir em frente. 

Filho, estou mais forte, ou menos fraca. Estou com Fé renascida. Com crença, aquela que você sempre admirou na Mami e que não morre. Não pode morrer, porque enquanto eu continuar, você continua vivo na memória, nos afectos, no Amor!

Bom, você que vê tudo, vai compreender. Vai entender as minhas opções, as escolhas difíceis, mas que vêm das entranhas. E eu sei que me está a piscar o olho. Sei isso, porque o sinto, todos os dias, a todos os minutos, no meu coração. A Coruja anda sossegada no jardim cá de casa. Há dias que não a ouço à noite, mas apenas durante o dia. Não sei se é deste vento gélido que faz, se do meu coração estar mais em Paz. Não sei, meu Amor. Os dias estão maiores, as cabras e as ovelhas pastam agora no jardim em frente a casa, o que é bom: menos ervas que teremos de arrancar em breve. Já definimos o local da horta, que não tarda, vai ser preparada, e nos vasos vou plantar não flores, mas especiarias e ervas. Funcho, hortelã, cebolinho, pimenta, manjericão, salsa, coentros e piri-piri. Sobra-me um vaso, talvez você me mande um sinal do que gostaria de ver a crescer. O campo apazigua, suaviza, acalma, e não tarda, vamos tomar banho às cascatas da ribeira. A Primavera traz vida, e nessa vivência, nestas tardes solarengas mas ventosas e frias, traz acalmia. O Trinta e Um salta para cima dos telhados e é uma enorme dor de cabeça, mas é lindo vê-lo com esta vida imensa dentro dele, e um pelo tão sedoso, que parece um peluche. O Miguel passa-se com ele, e grita: 

- "Vais para a panela não tarda!",

mas sei que jamais seria capaz de o fazer. 

Nasceu-nos uma ovelha, que a Chica baptizou de Lulu. O Mano e ela estiveram cá no fim de semana passado e foi tão bom. Ver esta casa com movimento, com Alegria, com desarrumação! Tão mas tão maravilhoso!

E é entre os patos e galinhas, entre os limões que apanhei hoje para um futuro "Chutney" e as laranjas que dou à Preta e à Branquinha, que a vida acontece. E é neste campo profundo que vou suavizando a minha dor. Aguentando, e pensando, e recordando, e sorrindo perante estas memórias doces, perante a sua presença, omnipresente de tão cheia, tão plena, tão transbordante e inundante do amor que dentro dela transborda. Filho, jamais, jamais a mágoa deixará de existir. Tal como a SAUDADE. Mas que sejam apaziguadas. Para que eu continue a...

...CAMINHAR! 

Amo-te meu AMOR! 

Com Saudade,

Mami




quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

9.2.2022 - One Day minus 190 - Arola & Nós

 



- "Filho? Não o consigo ouvir bem. Está tudo bem?"

- "Mami, sim, tudo. Desculpe não ter ligado, mas tenho andado ocupado aqui com esta malta meio estranha, que brilha e esvoaça. Tá tudo bem consigo Mãe?"

- "Sim meu Bicho, estive a ver os últimos episódios do Masterchef e adorei! Fez-me lembrar o nosso jantar no Arola, em Agosto de 2017!"

- "Hahaha Mãe, ÉPICO esse jantar, lembra-se de termos ido comprar os vinhos para levarmos? E de a Mãe ir comprar um vestido à última da hora, porque só tinha trazido calções e ténis? E de experimentar o vestido com uns ténis bordeaux e que ficava de fugir?"

- "Credo Filho, se me lembro! E fui de Havaianas douradas, porque você disse: "Mãe, aqui os ricos andam sempre de Havaianas, e como a Mãe tem os pés sempre arranjados e bonitos, vamos à rico!"

Foi o jantar mais fantástico da minha Vida. Lembro-me de que o que mais gostei foram os cocktails do Diego e depois daquelas bolachas pretas, que pareciam renda, que sabiam a mar, porque eram feitas com algas. E da sobremesa, em que o crumble parecia terra, o vaso era não de barro, mas de chocolate, o cacto era gelado misturado com massapão caramelizado, onde não faltavam os picos, lembro-me do orgulho e da gratidão por você me levar ao Shangri La das papilas gustativas "mixed" com os restantes sentidos; lembro-me de uma noite de MAGIA, em que cumprimentámos o Chef em mil salamaleques, convidados para a sua mesa na cozinha para beber café, algo raríssimo, e que só quem tem costela de hoteleiro percebe a honra. Sermos convidados para a mesa de um Chef de um restaurante como o Arola, é como sermos convidados para a mesa da Rainha da Inglaterra, refiro-me à defunta, claro, e desculpem-me a comparação, mas é algo de inesquecível. Como o é ser Mãe de um Filho que me convida para jantar, para me agradecer o Amor e a Força que lhe dei quando quis perseguir o seu sonho. Mas o Amor e a Força de uma Mãe para com um Filho não se agradecem. Não é preciso! É algo natural. Quem não persegue sonhos, não vive. Sonhar e acreditar que os fazemos acontecer, é algo intrínseco a uns, intangível para outros, limiar para terceiros. Ter a força e a perseverança de perseguir os nossos sonhos, contra tudo e contra todos, requer coragem. E de vez em quando, uma ajuda. E quando se combinam, a magia acontece. Como nessa nossa noite tão fantástica, tão plena, tão cheia, tão perfeita na sua completude, que as Estrelas estavam ao alcance dos dedos.

Meu Filho vivi tanto consigo! Tantas aventuras, tanta Alegria, sempre que nos juntávamos. Filho, é bom conseguir aos poucos reviver as memórias, sabendo que são - apenas e tão somente - isso, memórias de tempos felizes. E perceber que elas vivem e perduram em nós. Que esses momentos fazem parte de uma Alegria que foi genuinamente sentida, e sobretudo, vivida, e que agora é recordada com Alegria e com uma Saudade atenuada, mas nunca menos presente. 

Aceitar a vida, ou a Vida, depende da perspetiva, requer coragem. Mas aos poucos, aceitamos. Percebemos que só assim é possível. A aceitação com calma, e com menos dor é um passo essencial neste Luto, neste Caminho. É a realização de que tivemos a felicidade de podermos viver momentos que já não voltam, mas que foram nossos, foram reais dentro da "surrealidade" da realidade de um tempo que já não faz parte deste Tempo, mas que é intemporal, porque enquanto eu for viva, jamais os esquecerei,  todos esses milhões de momentos únicos, que partilhámos na nossa cumplicidade.

Escrevo-lhe com um sorriso meu Amor. Com o sorriso das memórias, mas que se desenha no meu rosto cansado, envelhecido e sulcado pelas lágrimas, que hoje são Alegria, como que numa sobremesa de Chef.

Doces como o caramelo, efémeras como o gelado, suaves como a baunilha, crocantes como a massa folhada, suaves como as natas, brincalhonas como a canela e com um levíssimo toque de mar. Somos Nós. Fomos Nós e seremos Nós para sempre, porque os nós não se desatam nem com a morte. E muito menos, com a vivência das e nas nossas (eternas e felizes) recordações!

Amo-te meu Filho LINDO! 


P.S. Obrigada pela Paz. Pela Suavidade. Pela ACEITAÇÃO e que essa perdure, porque sabe tão bem não nos sentirmos dilacerados, mas sim abençoados pelo AMOR!

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

2.2.2023 - One Day minus 184... - too much 4 two long!




Meu adorado Filho,

O "W" é propositado. Seis meses sem NÓS é demasiado. Sem nós, sem os nós que nos atavam naquela cumplicidade única! Meu Filho...tanto, tanto para dizer, para sonhar, para concretizar, para fazer acontecer, naquela velha parangona do "Make it happen"! Quem me dera! Mas não consigo, por mais que tente com todas as minhas fibras, e todas as minhas fibras o tentem, em incansável trabalho de equipa. Não consigo.

Ou talvez consiga, mas de uma forma que ainda me custa muito a entender. Filho é difícil de explicar, e quem me dera que tivéssemos acesso a mais informação objectiva sobre a emotividade. Que houvesse mais relatos na primeira pessoa, para que pudéssemos entender o que sentimos, e de alguma forma inconcebível, racionalizar a loucura, numa derradeira tentativa de preservar a (in)sanidade. Mas eu não encontrei nada até agora. Talvez não saiba procurar, ou talvez aquilo que eu sinto em relação a mim e a alguns outros, que entretanto cruzaram o meu caminho, porque "Birds of the same feather flock together", é o peso do estigma. Sim, sejamos honestos, é um estigma. Perdemos a nossa entidade, e passamos a ser: 

- "Estás a ver? É aquela, Coitada, aquela que perdeu tragicamente o filho, no esplendor da idade!"

Deixamos de ser quem éramos. Falhámos como Pais, ao não conseguirmos proteger os nossos Filhos, como seres humanos, enquanto não capazes de assegurar a nossa eternidade, como indivíduos, a quem foi retirada a própria identidade. Somos Apátridas, Párias dos afectos, orfãos do Amor, pedintes de uma Felicidade roubada.

Encontrarmos o nosso Ego, resgatá-lo do Nada, colarmos as nanopartículas desfeitas do nosso Ser requer um esforço imenso. Gostava muito de conversar com outros sobre isto, mas existe o Tabu. O Estigma. E por detrás desse estigma, o silêncio soluçado das lágrimas solitárias. O que acaba por ser uma pena. Talvez eu esteja a querer demais - presunção e água benta, cada um toma a que quer - mas se alguém nas mesmas circunstâncias me ler, conseguirá talvez encontrar alguns paralelismos, alguns rasgos idênticos de sofrimento dilacerado, e com isso, entender que não enlouqueceu, mas que é "tudo normal". Se uma pessoa - uma pessoa basta - se identificar com o que sinto, então já é um traço gigantesco da minha dor que se suaviza, e ao mesmo tempo, é uma Paz que se me instala porque penso imediatamente: 

- "Se ela se consegue reinventar, se sentiu parte ou tudo o que sinto, então é porque não estou doida!"

Caminhamos Filho. Passo a passo. Sempre a relembrar, sempre a recordar, sempre a reviver, mas tentando também sorrir, e abrir o coração para os que precisam de nós. É na dádiva que encontramos a abundância.

Filho...

Meio ano sem si, parece que foi ontem, e ao mesmo tempo, há mil anos, paradigma temporal que nem vale a pena tentar desvendar. A Eternidade não tem Tempo, porque encerra em si o próprio Tempo, que, claro, não existe.

Caminho Filho, por si, e por todos os Meus, mas também pelos Nossos. Em todas as conjugações do verbo. Embora, por enquanto, o Gerúndio me pareça mais seguro. Fica a promessa do Futuro do Presente do Indicativo.

Um beijo meu Bicho!

Mami


P.S. Às vezes pergunto-me, se as mães de(s)filhadas que morrem velhinhas, são reconhecidas pelos seus Anjos quando chegam ao Céu. E ao mesmo tempo, penso o que sentem as Mães que perderam os seus filhos há décadas. Qual a imagem que guardam deles? A sua mente projecta-os como eram quando morreram? Ou fá-los envelhecer, acompanhando o escorrer das areias de um Tempo inexistente? ("Is anybody out there? Anybody at all???")


25.4.2024 - One Day plus 266 - (Still about) the Intrepids, the Freedom Lovers, the Crazy Ones...

  Ahhh meu adorado Filho, Que DELÍCIA!  Está tão, mas tão perto de mim e obrigada pelos sinais que me vai enviando, hoje especialmente.  O &...