Meu querido, querido, meu adorado Filho,Tenho tantas coisas para lhe contar e estou tão cansada, que não sei por onde começar. Das duas uma, ou condenso estes últimos dias num livro de setecentas páginas, ou então remeto-me ao etéreo das conversas que temos tido, e aos momentos que temos partilhado nos nossos corações, que habitam este nosso Mundo Novo, e opto por não lhe escrever, porque mentalmente já lhe fui contando tudo durante as nossas conversas constantes. Mas porque sinto uma saudade imensa destes nossos "mono"- diálogos, aqui vou tentar, utilizando a nossa costela germânica, sintetizar o não-resumível.
O Opa veio cá com a família. Está muito velhinho, você não o iria reconhecer, mas acredito que ele o reconheceria sempre, quanto mais não fosse, depois de falar consigo sobre o que vai mal na hotelaria em Portugal. E eles vieram cá Tim! Aqui à Terra atrás do Sol, num ocaso por acaso, caso que raramente acontece, porque o crepúsculo pede ao Sol que se recolha todos os dias até agora, neste verão interminável em tons púrpura, escarlate e laranja profundo! Foi bom que o Opa tenha conhecido - finalmente - o outro lado da minha Existência!
E você que tem uma sala de reuniões em seu nome, e o Zé fez um discurso fantástico, embora se ouvisse menos bem? É verdade Tim, a sala de reuniões principal da sua empresa, tem o seu nome! Haverá homenagem mais bonita? O Zé fez mais um filme seu, um filme ÉPICO, que me fez deixar correr as lágrimas da saudade, num sal mal temperado, de um Amor de mãe arrancado ao sofrimento, provocado pela injustiça da morte tão prematura de um Filho! Que ORGULHO em si meu Filho, que maravilha!
E conquanto, a vida segue o seu ritmo, demasiadamente rápido no campo, porque urge acabar uma casa para juntar os Mosqueteiros, os Amigos, o Pai e o Mano. Nesse processo fui à garagem, noventa metros quadrados de confusão instalada com a venda da Quinta, acrescida às minhas mudanças, para vermos quais os móveis iríamos levar primeiro. E nesse processo deparei-me com as memórias. Com fotografias, quadros, livros e brinquedos da sua infância. Fiquei sem chão, uma vez mais sem rumo, sem Norte, sem bússola! E hoje, o João foi lá levar os móveis de Lisboa. E no meio deles, estava a cama, a minha(?), barra sua, que você me cravou com aquele seu charme tão próprio, aquele ao qual eu nunca conseguia dizer que não:
- "Vá lá Mãe, faça lá isso por mim, pelo seu Tim, Mami, vá, facilite, por favor Mãe!"
e estava também o charriot de Barcelona, e um candeeiro, e as mesas de cabeceira e mil e um segundos de memórias que me trespassaram naquele quarto cristalizado numa existência que não sendo nova, não cessa de me surpreender pela (ir)realidade que encerra!
Também tenho outra novidade, que era para ser surpresa para o seu dia de anos aí no Céu, mas que não resisto a partilhar prematuramente. Depois da sua Vida roubada, no mesmo adverbio de tempo, já não há surpresas, porque você vê tudo o que faço. Fiz-lhe um altar. Inspirei-me no postal que o Mano e a Chica trouxeram de Paris e, ouvindo baixinho aquele,
- "Toi, tu auras des Étoiles comme personne n'en a",
fiz-lhe um céu terreno. De um azul profundo, e com uma Estrela que simboliza todas elas, brilhante e prateada. Tem o seu nome, este altar, onde irei colocar os objectos com mais significado, para o levar comigo para onde quer que vá, nómada sem rumo e sem destino, aquele que traçaram contra a minha vontade, num vale de lágrimas esculpido na pedra da tristeza! E nesse céu, no dia doze de novembro deste ano miserável, esteja eu viva e de saúde, a Família dos Épicos irá escrever, assinar, dedicar e perpetuar as mensagens que lhe queremos transmitir para aí para o Céu, neste céu. Pintei-o de cinzento por fora, propositadamente para isso! Acho que vai ser uma homenagem da qual Você irá gostar!
Bom Tim, tenho MUITOOOOO mais para lhe contar. Como por exemplo que só ontem tivemos sete ovos das galinhas, que já estão na nova Quinta. Que enchemos a piscina, porque o poço está cheio de água que o doido do Miguel bebeu sem ser analisada e que ainda não teve disenteria! Que comprei tudo direitinho na IKEA, excepto a porcaria do estrado da cama, e que poderíamos lá dormir todos, a Oma, o Mano, a Xica e nós, não fosse a minha cabeça que anda totalmente avariada de há dois meses e uns dias para cá. Que morro de saudades suas! Que agora que a casa está quase pronta, e que eu dizia à boca cheia que era fantástico uma casa nova, porque não tinha memórias; nas Mouriscas tenho mais memórias suas do que aqui?
Como é possível? Só encontro uma explicação! Nestes dias extenuantes de trabalho, de criação, de acontecimentos, de reencontros, de MAKE IT HAPPEN, Você esteve sempre aqui, dentro do meu ser, vendo o meu agora (e não escrevi presente, porque (ainda) não consigo ver qualquer dádiva no Universo), através do meu olhar; carne da minha carne, sangue do meu sangue, razão de ser dos cinquenta e cinco anos da minha vida. Daqui a três dias completo mais uma volta ao Sol. Desta vez o sofrimento da Vida derreteu-me o coração.
Lembro-me de uma delas, talvez há seis ou sete anos, em que, numa manhã bem cedo, vislumbro através das vidraças do escritório, uma silhueta muiiiiiitoooo familiar. Mas como por vezes, a cabeça se sobrepõe ao coração, pensei para comigo e comentei ou com o Dany ou com o Bruno, já ão me lembro:
- "Credo, aquele miúdo é igual ao Tim!"
Para minha gigantesca Felicidade, esse Miúdo era Você, meu Filho amado, que vindo de madrugada de Barcelona, passou esse aniversário comigo. E digo-lhe uma coisa mais Filho querido, eu tive sorte na Vida. Tive três grandes surpresas em cinquenta e cinco de dezoitos de Outubro, vividos, sofridos, mas também celebrados:
- aos onze, ou doze anos, penso eu, a sua Oma, que durante longo tempo não pode, por motivos profissionais, passar esse dia comigo, nesse ano, em casa a avó Lourdes, a sua Oma, ao final da tarde, saiu detrás de um biombo do corredor para me abraçar e me oferecer um elefante de peluche que eu amava e que sobreviveu durante centenas de luas!
- aos trinta e três anos, e muito antes do esperado, o Mano decidiu nascer, numa aventura louca e irreverente como ele ainda hoje é, Alegria da minha Vida, essa sempre com maiúscula!
- aos quarenta e não me lembro quantos, mas muitos, você veio de Barça, numa manhã ensolarada, com o casaco pendurado no braço esquerdo, óculos escuros e mochila às costas, naquele seu passo meio dançado, meio sério, para me estreitar contra o seu peito e me dizer:
- "Gostou da surpresa Mami?"
Ah, Tim, caramba, como vai ser este ano? Como conseguirei celebrar os anos do Mano, que tanto merece, aquele Miúdo fantástico que eu amo até à insanidade, e esquecer os meus, porque eu sou uma concha sem pérola, um búzio sem interior, um corpo sem alma, uma Mãe sem um Filho?
Escrevo estas linhas com um quarto, (também é) o meu preferido da casa, onde - já percebi hoje e fartei-me de rir - Você sempre esteve está e estará, exibido a três dimensões perante os meus olhos. Onde, nas duas janelas que o emolduram, o Sol nasce, e o Sol se põe.
Um quarto de Luz. Uma Luz cheia de quarto. Ou A LUZ no quarto? Eu preferia que fosse um quarto cheio de Si, pleno, transbordante, mas nessa impossibilidade, que seja UM QUARTO DE LUZ!
OK! Compreenditiiiii!
Será o SEU (esse) Quarto (crescente!)
Beijo, meu Filho!
Mami