Meu querido, querido Tim,
Nem sei por onde começar...estive a reler as nossas conversas de whats-up e deparei-me com uma troca de mensagens em Junho do ano passado, aquando de uma canícula sem igual. Mas o calor não tem importância, a não ser que seja para dizer que estamos, não no mesmo patamar de temperaturas, mas de torra igualmente insuportável, pelo menos na escala de Fahrenheit.
O meu carro morreu hoje de manhã. Saí - felizmente a mais do que horas - para ir para Tomar, e quando dei à chave, népia! Entrei em pânico, porque perder uma consulta da Doutora Ana Carolina seria uma catástrofe, e fui acordar o Miguel aos gritos, que, meio sonâmbulo, lá me levou, não sem antes dar de comer aos patos e às galinhas. Mas cheguei a horas, e lá deixei, uma vez mais, todas as minhas mágoas, como é habitual, e ela, naquele carinho e empatia únicos, ouviu-me sem me interromper. Tem uma sensibilidade fora de série, e ir lá é um bálsamo para a minha Alma dorida e doente de saudade.
Tudo tem sido arrancado a ferros, literalmente TUDO! De um passo que damos em frente na infindável burocracia, damos três para trás, é um desgaste DESUMANO diário, e pergunto-me, se as pessoas que lidam com casos como o nosso, conservam em si alguma réstia de humanidade, mas quero crer que não. Há duas semanas deparei-me com letras, preto no branco, no ecrã do meu telefone a dizer: "aguardamos que o juiz liberte o relatório da autópsia". É tão duro ler coisas como essas! Continuamos na luta incessante e estou cansada.
Hoje faz dois meses que o Opa Freddy morreu, e ainda nem sequer tive o tempo, ou a coragem necessária, para lidar com mais essa perda. Amanhã o Opa faria anos. Lembro-me dele no ano passado, a dizer que ainda ia viver muitos mais, enquanto enumerava as pequenas maleitas que o assolavam. O Opa...que amanhã estará no Céu a beber um Planalto gelado consigo! E eu aqui, cheia de saudades vossas, daquelas que rasgam as entranhas!
Entretanto tive cá as tias todas almoçar, e penso que foi a energia delas, que me deu força para enfrentar isto tudo. Trouxeram-me inúmeros miminhos, mas sobretudo, o seu carinho e amor. Agora estou melhor, mas as duas últimas semanas foram um pesadelo. Em Lisboa não consigo dormir, o barulho põe-me doida, e as recordações que me assolam, enquanto palmilho os passeios, cortam-me a respiração. O campo acalma-me, muito embora neste momento, eu esteja com a cabeça cheia de preocupações. Mas também de algumas boas notícias: Calcule que o Manel vai casar! Imagino a sua cara aí no Céu! Fiquei muito, muito contente com a notícia, afinal vocês fazem uma semana exacta de diferença, e ele também é um bocado "meu", como você é dos Tios.
Em Lisboa fui mudar o fio da pulseira, que estava a esgaçar, e conheci a Sónia, uma pessoa espetacular. Custou-me horrores lá entrar, vi-o sentado na loja, enquanto elas lhe mudavam o fio das suas, de laranja para amarelo, e recordei-me do seu telefonema sobre a sua escolha de cor. Tudo isto foi poucos dias antes da sua morte, tanto, que quase ninguém sabia do amarelo. Elas sabiam. Eu também. E rimos, e chorámos, e abraçámo-nos, enquanto os turistas japoneses entravam e saíam.
FILHO, sei que subiu. Está muito mais alto, muito mais longe, conquanto sempre tão perto, mas sinto que já não paira aqui, entre os dois Mundos. Sinto isso perfeitamente, sei que esperou por mim, e quando me viu a combater as agruras diárias com a garra incansável de sempre, você finalmente voou para o Infinito do Céu, porque que constatou que a minha centelha continua. Senti a sua subida, e isso custou-me, de novo, horrores. Horrores. A centelha mais parece um pavio fininho, fininho, quase moribundo, mas que quer honrar a sua memória, está cá, ainda arde numa chama pequenina. A tia Ana contou-me da coruja e arrepiei-me toda. Ela, como eu, sabe, sente e vê com os olhos da Alma. A nossa coruja desapareceu do jardim na mesma altura que a dela se foi despedir deles, e foi aí que tive mesmo a certeza de que você subiu. Que bom meu Amor. Agora, na incerteza de que as minhas cartas lhe chegam, continuarei a escrever, escreverei sempre e para sempre meu Amor querido. Mas sei que está longe. Contudo para um coração de Mãe como o meu, o importante é saber que o seu Menino está bem. Mesmo longe, que está bem. E eu sei que está!
Filho do meu coração, quase onze meses depois da sua morte, "I'm stranded". Não só porque sem carro, mas sobretudo porque náufraga, afogada em preocupações e em saudade. Sem farol nesta tempestade que me assola.
Tim...mande um beijo ao Opa. Diga-lhe o quanta falta me faz, mas como fico contente de que estejam juntos. E cantem os parabéns e apaguem as velas. Aqui arde sempre uma, todas as noites, no seu Altar.
Mil beijos da sua Mãe que o adora,
Mami