segunda-feira, 26 de junho de 2023

26.6.2023 - One Day minus 330 - Teatro do Absurdo

 



Meu querido, querido Tim,

Nem sei por onde começar...estive a reler as nossas conversas de whats-up e deparei-me com uma troca de mensagens em Junho do ano passado, aquando de uma canícula sem igual. Mas o calor não tem importância, a não ser que seja para dizer que estamos, não no mesmo patamar de temperaturas, mas de torra igualmente insuportável, pelo menos na escala de Fahrenheit.

O meu carro morreu hoje de manhã. Saí - felizmente a mais do que horas - para ir para Tomar, e quando dei à chave, népia! Entrei em pânico, porque perder uma consulta da Doutora Ana Carolina seria uma catástrofe, e fui acordar o Miguel aos gritos, que, meio sonâmbulo, lá me levou, não sem antes dar de comer aos patos e às galinhas. Mas cheguei a horas, e lá deixei, uma vez mais,  todas as minhas mágoas, como é habitual, e ela, naquele carinho e empatia únicos, ouviu-me sem me interromper. Tem uma sensibilidade fora de série, e ir lá é um bálsamo para a minha Alma dorida e doente de saudade.

Tudo tem sido arrancado a ferros, literalmente TUDO! De um passo que damos em frente na infindável burocracia, damos três para trás, é um desgaste DESUMANO diário, e pergunto-me, se as pessoas que lidam com casos como o nosso, conservam em si alguma réstia de humanidade, mas quero crer que não. Há duas semanas deparei-me com letras, preto no branco, no ecrã do meu telefone a dizer: "aguardamos que o juiz liberte o relatório da autópsia". É tão duro ler coisas como essas! Continuamos na luta incessante e estou cansada. 

Hoje faz dois meses que o Opa Freddy morreu, e ainda nem sequer tive o tempo, ou a coragem necessária, para lidar com mais essa perda. Amanhã o Opa faria anos. Lembro-me dele no ano passado, a dizer que ainda ia viver muitos mais, enquanto enumerava as pequenas maleitas que o assolavam. O Opa...que amanhã estará no Céu a beber um Planalto gelado consigo! E eu aqui, cheia de saudades vossas, daquelas que rasgam as entranhas!

Entretanto tive cá as tias todas almoçar, e penso que foi a energia delas, que me deu força para enfrentar isto tudo. Trouxeram-me inúmeros miminhos, mas sobretudo, o seu carinho e amor. Agora estou melhor, mas as duas últimas semanas foram um pesadelo. Em Lisboa não consigo dormir, o barulho põe-me doida, e as recordações que me assolam, enquanto palmilho os passeios, cortam-me a respiração. O campo acalma-me, muito embora neste momento, eu esteja com a cabeça cheia de preocupações. Mas também  de algumas boas notícias:  Calcule que o Manel vai casar! Imagino a sua cara aí no Céu! Fiquei muito, muito contente com a notícia, afinal vocês fazem uma semana exacta de diferença, e ele também é um bocado "meu", como você é dos Tios. 

Em Lisboa fui mudar o fio da pulseira, que estava a esgaçar, e conheci a Sónia, uma pessoa espetacular. Custou-me horrores lá entrar, vi-o sentado na loja, enquanto elas lhe mudavam o fio das suas, de laranja para amarelo, e recordei-me do seu telefonema sobre a sua escolha de cor. Tudo isto foi poucos dias antes da sua morte, tanto, que quase ninguém sabia do amarelo. Elas sabiam. Eu também. E rimos, e chorámos, e abraçámo-nos, enquanto os turistas japoneses entravam e saíam. 

FILHO, sei que subiu. Está muito mais alto, muito mais longe, conquanto sempre tão perto, mas sinto que já não paira aqui, entre os dois Mundos. Sinto isso perfeitamente, sei que esperou por mim, e quando me viu a combater as agruras diárias com a garra incansável de sempre, você finalmente voou para o Infinito do Céu, porque que constatou que a minha centelha continua. Senti a sua subida, e isso custou-me, de novo, horrores. Horrores. A centelha mais parece um pavio fininho, fininho, quase moribundo, mas que quer honrar a sua memória, está cá, ainda arde numa chama pequenina. A tia Ana contou-me da coruja e arrepiei-me toda. Ela, como eu, sabe, sente e vê com os olhos da Alma. A nossa coruja desapareceu do jardim na mesma altura que a dela se foi despedir deles, e foi aí que tive mesmo a certeza de que você subiu. Que bom meu Amor. Agora, na incerteza de que as minhas cartas lhe chegam, continuarei a escrever, escreverei sempre e para sempre meu Amor querido. Mas sei que está longe. Contudo para um coração de Mãe como o meu, o importante é saber que o seu Menino está bem. Mesmo longe, que está bem. E eu sei que está!

Filho do meu coração, quase onze meses depois da sua morte, "I'm stranded". Não só porque sem carro, mas sobretudo porque náufraga, afogada em preocupações e em saudade. Sem farol nesta tempestade que me assola. 

Tim...mande um beijo ao Opa. Diga-lhe o quanta falta me faz, mas como fico contente de que estejam juntos. E cantem os parabéns e apaguem as velas. Aqui arde sempre uma, todas as noites, no seu Altar.

Mil beijos da sua Mãe que o adora,

Mami



terça-feira, 13 de junho de 2023

13.6.2023 - One Day minus 317 (Santo António)

 



Meu adorado Filho,

Há muitos dias que não lhe escrevo. Muitos dias em que andei a saltitar deste, e do outro lado da linha, porque ela é ténue. Houve dias em que achei que endoidecia. Outros menos. Sei que a minha sanidade é proporcional ao meu desgosto, e a muitas outras coisas. Como você sabe, na minha vida nada vem de forma fácil, é tudo arrancado a ferros, e os problemas inerentes à sua morte, bem como outros tantos, têm-me posto à prova. 

Nestas agruras que teimam em me afogar, as minhas conversas consigo assemelham-se mais a súplicas, apelos transformados em murmúrios, preces que lhe invoco, neste nosso diálogo constante. Não vale a pena descrever-lhe o que tenho passado, porque seria tudo uma repetição de uma lamentação contínua, mas vou-lhe resumir ao máximo as vivências mais importantes das duas últimas semanas. Revisitei - em espaço demasiado curto, mas é o que é -  os areais onde nos divertimos tanto enquanto você e o Mano eram crianças. Fechei os olhos e ouvi a sua voz no Xico a pedir para andar de gaivota, molhei os pés numa das praias onde vivemos um dos dias mais giros da nossa vida, pisei os mesmos grãos que pisámos juntos, quando ainda éramos felizes. O meu espírito voou, e foi esse voo tão introspectivo, que me possibilitou continuar, onde penso que (já) não pertenço. Muita coisa aconteceu, e cheguei à conclusão de que é na nossa concha, fechados sobre nós mesmos, que estamos seguros. A minha vida, uma vez mais, mas de forma tão diferente, é experienciada dentro do meu âmago, ali onde só chega quem eu deixo. Foram várias as lágrimas, não por saudade essa é constante, mas por falta de compreensão, de amor, de compaixão. E isso é tramado. Mas é o que é.

O seu bisavô faria anos hoje. Foram tantos os anos em que fomos para os Santos, nessa Lisboa da qual tenho saudades, nesse tempo imaculado, intacto, pleno de inocência polvilhada a aroma de Jacarandás. 

Está mais longe meu Filho, sinto-o, e isso custa-me, mas também sei que, enquanto no meu coração não voltar a reinar a paz, assim irá continuar. Mas sei que está. Sei que agora, quando finalmente encontrei coragem para lhe escrever, me está a espreitar sobre o ombro e a sorrir. Sinto. Tão bom meu Amor. Tão, mas tão bom!

Não estou em paz, longe disso, no meu coração governa a mágoa por muitas coisas que aconteceram, por actos que não se desfazem, por injustiças que tenho que engolir, mas para lá caminho. Tenho um objectivo, e quando regressar de Lisboa, vou colocá-lo em prática. O meu espírito germânico, ou o que resta dele, fruto dessa aculturação que tanto me custou enquanto eu era criança, mas que tanto me ajuda na idade adulta, vem sempre ao de cima, e a camada de gelo que produz, é absolutamente vital, tanto quanto genial! Vou por em prática uma série de coisas, porque se não o fizer, continuam a destruir-me sem dó nem piedade e eu assisto, incapaz de reacção, e isso não sou eu. Mas demorei duas penosas, pungentes e muito sofridas semanas a chegar a este desiderato.

Estou cá meu Amor. Estou cá e relembro tanta coisa, tantos momentos, tanta partilha! Tanta dádiva. 

Hoje é também o dia de um Anjo que sei que está consigo. Um Anjo que deixou cá uma Mãe que, como eu, sofre. Sofre desmesuradamente, injustamente, neste Mundo cruel e mau! E sei que nesta madrugada me pediu para eu vos deixar as luzes do seu altar acesas. E deixei, porque percebi que era um sinal seu. E hoje ardem de novo duas velas, a sua e a dele, e vocês sorriem aí no Céu. Filho, peço-lhe perdão por ter deixado a mágoa entrar no meu coração, mas sou apenas humana, e o que sofri dos meus congéneres nas últimas semanas, foi demais!

Filho...acho que consegui saltar do lado de lá para o lado de cá, com a sua ajuda, mas as feridas que me fizeram, ficam cá. Ficam comigo, enterradas no meu âmago, naquele núcleo que só pede amor, mas que apenas encontra crítica e indiferença e mil problemas burocráticos.

Filho...não sei se o avô Freddy já aí chegou, ainda não tive coragem de me debruçar sobre isso. De despejar a tristeza, a mágoa, a revolta. Acho que sim. Não lhe consigo chegar, acho que está de tal forma preocupado comigo, que como sempre, faz por ignorar, porque sempre lhe foi mais fácil. Mas espero que sim, que ele o tenha abraçado de encontro ao coração e que tenham falado muito. Também a Foxie, esse cão como não haverá nunca mais outro no Mundo já aí chegou de certeza. Pelo amor de Deus não a chateie Filho. 

Martim, devolva a pureza do Amor ao meu coração, é só o que lhe peço. Retire-lhe a mágoa que me causaram e ajude-me a alcançar a Paz da saudade. Aquela que eu sentia há umas semanas, pungente, claro, mas que me trazia para perto de si...

Filho...do lado de cá da linha, ajude-me a ficar aqui, a não passar para o outro, porque só há apenas uma coisa que me assusta, e que já esteve mais longe: a insanidade mental.

Só isso!

Amo-te Filho...amo-te e prometo, juro, que não me voltarão a fazer mal.

Mil beijos da sua Mãe que o ama...

...Mami!




25.4.2024 - One Day plus 266 - (Still about) the Intrepids, the Freedom Lovers, the Crazy Ones...

  Ahhh meu adorado Filho, Que DELÍCIA!  Está tão, mas tão perto de mim e obrigada pelos sinais que me vai enviando, hoje especialmente.  O &...