terça-feira, 20 de setembro de 2022

19.9.2022 - One Day minus 47...(Pormenores ou Por maiores?)

 




Meu adorado Filho,

Começou a semana e o meu cérebro voltou a assemelhar-se um pouco mais ao que costuma ser. Não com ao que costumava ser, porque parece que tive um AVC dia dois de Agosto: articular os pensamentos, palavras e ideias, requer um esforço hercúleo. E vou-lhe dar um exemplo anedótico.

Fizemos oitenta quilómetros para ir ao Leroy comprar o exaustor e os interruptores, porque o eletricista, aquele ser surreal sobre quem lhe contei, resolveu misturar os interruptores da Quinta, tal qual uma salada de massa tricolor. Ir a Torres é um "happening": um edifício de betão com vinte lojas, e achamos que estamos no Colombo. Somos teletransportados para uma memória de civilização consumista - Nirvana do gasto desnecessário, Shangri-La dos impulsos desenfreados, que não servem para nada depois de comprados - mas da qual, de vez em quando, também precisamos. Ou seja, deixámos o dever para trás, e fomos ao Leroy por último. O resultado foi lindo: mal chegados à obra, reparámos que os interruptores estavam comprados, mas que nos tínhamos esquecido do principal: o exaustor!!!! 

Mas não faz mal, tenho um pretexto para mais uma tarefa que me vai ocupar, e manter semi-vivos, o Tico e o Teco, que agora serram, alternadamente, os meus miolos. Com meia hora de descanso entre eles, subentenda-se!

Sabe Tim, hoje enquanto regressávamos, o Miguel e eu estivemos a conversar sobre o passado (recente). E eu cheguei à conclusão de um facto? muito curioso. Algo que me faz imensa confusão. Até ao dia da sua morte, eu sentia o passado da minha vida como meu. Algumas memórias estavam mais longínquas, obviamente, mas era uma Vida cujas recordações eu ainda conseguia traçar até à Casa Partida. Nunca me senti com a minha idade e você brincava imenso com isso, e eu dizia que tinha parado aos quarenta, e agora, se eu lhe dissesse com que idade me sinto, acho que você iria começar a rir e diria:

- "A Mãe tá doida. Ó Mãe, a Mãe não existe! A sério!" (seguido de mais um palavrão que opto de novo por não escrever, com o intuito de preservar, uma vez mais, a sua memória imaculada!).

Eu tenho neste momento, quarenta e nove dias depois da sua morte, mais de cem anos. Eu tenho, ou eu tive?, duas vidas. Tive uma Vida e tenho agora outra vida. Eu fui um Ser Humano. Com Angústias, Alegrias, Tristezas e Esperanças, mas sempre com uma garra e uma crença inabaláveis na Vida. Um motor de energia, que levava a minha família para a frente, de corpo às balas e de coração submerso na emoção da crença na felicidade do presente e na do amanhã. Eu hoje sou um resquício dessa pessoa, uma sombra, uma memória estranha, uma aberração, porque me parece que de outro alguém que não eu: quando olho para "ela", para essa pessoa, ou seja, para o meu âmago, eu não reconheço o que observo. Mas o mais pungente, o mais estranho, o mais terrível, é que essa pessoa viveu sete meses e dois dias de uma Vida normal no ano de dois mil e vinte e dois. Mas quando foi esse ano? Há séculos perdidos no pó do tempo e nas teias de aranha da memória? 

Tim, aqui entre nós que ninguém nos ouve, eu devo ter enlouquecido. Eu escrevo e articulo os meus pensamentos de uma forma totalmente lógica, mas a essência dos mesmos é totalmente insana. Será que a minha cabeça se distancia propositadamente dessa Vida passada, normal e tão feliz, para me defender? É disso que tenho medo. De me esquecer de algum dos pormenores de uma Vida por maioritariamente como Mãe de dois Seres únicos. Pormenores? Errado. Por maiores, porque se trata de todos os segundos dessa Vida! Isso é que apavora. 

Mais um tema para falar com a psicóloga. Estarei à beira da loucura, e será o distanciamento temporal uma defesa, uma derradeira barreira consciente para evitar a queda nesse precipício? Ou será que para uma Mãe que perde um Filho, o Mundo sofre uma paragem, num retrocesso no futuro de um salto quântico, que a transporta para uma eterna e precoce velhice moribunda?

Sinceramente não tenho resposta, meu querido Filho. 

Sei que a Vida, como a conheci desde que me lembro que nasci, não é a mesma, nem o será nunca mais. Tento manter-me à tona. Nadar contra a corrente que me quer engolir. Também sei que você me lança, todos os momentos em que me sinto assim, a boia. Amarela ;-), mas isso é tema para outro dia, as pulseiras. 

Tim...continuo a não conseguir abarcar a dimensão desta saudade. 

O José Eduardo Rebelo escreveu no livro: "O Luto: Vivências, Superação e Apoio", que para uma Mãe, pela própria natureza da gestação e do elo que se estabelece desde o minuto zero, a morte de um Filho é semelhante a uma amputação de uma parte vital de si. Como que uma morte em vida. Talvez seja isso que explica a minha esquizofrenia temporal, esta dissociação no espaço e no tempo, esta coexistência antagónica, paradoxal e incrivelmente dura, do que fui e do que sou:

"I was a stranger, in my own skin. Seven Layers, I've been hiding in"... (Dotan, claro!)

Está decidido, vou criar uma playlist com o nome de...

..."ÉPICO"!

Saudades suas, Filho do meu coração!

Da sua Mãe que o adora,

Mami

P.S. Lembra-se desta porta em Barça e de como achei a ideia genial? Mal sabia eu!


Sem comentários:

Enviar um comentário

25.4.2024 - One Day plus 266 - (Still about) the Intrepids, the Freedom Lovers, the Crazy Ones...

  Ahhh meu adorado Filho, Que DELÍCIA!  Está tão, mas tão perto de mim e obrigada pelos sinais que me vai enviando, hoje especialmente.  O &...