quinta-feira, 1 de setembro de 2022

01.9.2022 - One Day minus 30..."AIN'T NOBODY!"

 




Meu adorado Filho,

Após a agonia que foi o dia de ontem, hoje foi um dia "feliz!".

Ontem o Pai e eu fomos desfazer o seu quarto, e arrumar as suas coisas. Aquele espaço tão querido e tão aprumado, que cheirava a si em cada centímetro quadrado. Tudo tão arranjado, onde cada peça de roupa, cada objecto, possui uma história, um antes, um durante e um depois. 

Foi um martírio. Foi como se você continuasse fisicamente cá. Foi uma dor incontrolável, incontornável e inultrapassável.

Mas conseguimos! 

Trouxe três casacos seus, alguns livros, e pouco mais. (Os ténis cinzentos ficam para outra conversa nossa)! Lavei a sua roupa de cama, mas o cheirinho que sai dos seus casacos, que pendurei no cabide cá de casa, o do primeiro andar, perdura, e é como se você cá continuasse, apenas se ausentando numa viagem. 

Foi com espanto e felicidade, que constatei a sua espiritualidade. Trouxe aquele seu livrinho do Evangelho, cujas passagens você me leu no Natal de dois mil e vinte um, quando a tristeza assolava esse seu coração imenso. Lembro-me dessa nossa conversa, como se a tivesse tido há poucos minutos. E o meu peito aperta-se e falta-me a respiração, nesta saudade imensa, neste vazio que você deixou e penso que poderia ter dito mais coisas, e ajudado esse seu enorme coração de uma forma muito mais eficaz. Mas não o fiz, porque tomamos a felicidade como garantida, até ela nos faltar.

Ainda me custa a acreditar, ou, por outro lado, começo a realizar que a sua não presença é, enquanto corpos físicos, algo que veio para durar. E o meu corpo físico chora-o com todas as fibras, com todos os átomos de que sou feita, com uma saudade que não tem dimensão, porque é eterna, ilimitada. e profundamente cruel.

E, contudo, o meu espírito sente-o. É um paradoxo incompreensível, indescritível e inexplicável. Não está fisicamente e tenho de (sobre)viver com e a isso, mas está. Eu sinto-o em mim, ao meu lado, à minha volta, num TODO e num TUDO, num turbilhão de emoções. Não é fácil largarmos, mas temos de o fazer, para que você tenha Paz. E nós também! Somos corpos Astrais e eu sinto o seu. Tenho lido sobre isso e há muita coisa que, cada vez mais, faz sentido. A minha maior preocupação é que você tenha subido, e esteja bem, e - sobretudo - em Paz. Eu penso que sim, e por isso mesmo, tento que a minha saudade seja o mais normal possível, se é que se pode falar de normalidade nesta dimensão de desgosto.

Hoje dancei a olhar para o céu. Senti-o tão próximo, caramba, como se fosse uma noite normal, como todas as noites dos últimos vinte e seis anos, oito meses e uns dias. Algumas melhores, outras menos boas, mas normais. 

Como se esta tragédia não tivesse acontecido. 

Mas ela é real. 

E eu tenho de encontrar uma forma de a entender. 

É complicado, e muito difícil de verbalizar. A miríade de sentimentos que me assola não tem descrição. Mas dediquei-lhe esta noite, a primeira em que consegui umas horas de verdadeira "normalidade". É muito estranho, e uma vez mais me repito, dificílimo de explicar: a ausência física é de uma atrocidade indescritível, mas ao mesmo tempo, percebemos que a Vida continua, num dia-a-dia que se vai construindo, de uma forma inexplicável, e você está "cá" a acompanhar essa construção.

A Vida terrena, sem as nossas partilhas, é estranha, bizarra e inaceitável. A Vida espiritual, com as nossas partilhas, começa a tornar-se uma realidade (ir?)real, (su?)real e (a?)normal. É uma questão de mudança de plano, primeiro estranha-se, depois entranha-se, literalmente falando, e nas minhas entranhas, você continua vivo, apenas de uma forma menos tangível. Mas não menos omnipresente.

Filho meu, meu Filho...não tenho palavras.

O Céu (não) pode esperar, e na sua impaciência, chama os Eleitos. E deixa-nos sem chão.

"The Space In-Between", mais uma música de uma playlist sua, que o Pai conseguiu salvar, e que ouço agora, enquanto lhe escrevo. É isso mesmo, um lugar espacial, sideral, astral, uma porta (entre)aberta, que separa os nossos dois Mundos. Dois? Hmmmm...não sei se chega. 

Eu diria que são muitos e, contudo, nenhum, porque não há Mundo que nos separe.

"If you leave me now (...)"...

Mami


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