sexta-feira, 9 de setembro de 2022

9.9.2022 - One Day minus 37 (Descalça)

 



Meu Filho adorado,

Mais um dia que chega quase ao fim. Mais um dia sem si. Mais muitas horas, aliás, "as horas", aquelas Meninas sem quartos, da adivinha que o Mano nos colocou, há tanto tempo que parece uma Eternidade.

"Vinte e quatro Meninas fechadas num quarto, todas têm meias, nenhuma tem sapatos." E, contudo, lá andam elas, Carmelitas descalças com calos nos pés, de se moverem a um ritmo constante, entoando, baixinho, uma prece.

Eu sei o que peço todos os dias, lá isso sei eu. Às vezes é baixinho, outras mais alto, até aos berros, mas deparo-me sempre com a mudez, ou a surdez do Universo. Ou talvez não. Ele (o Universo), tem-me murmurado algumas coisas. Ok, confesso, posso estar - e o mais provável é isso mesmo - em negação; mas o que é facto é que, a cada dia que pego na tinta, no pincel e na lixa, ou decido revolver a terra, projecto uma semente. De quê? Não sei. Provavelmente de Amor. O nosso, tão nosso, que me mantém viva. 

Não há carta que lhe escreva (excepto a sétima :-)!) que não me faça chorar. Mas as lágrimas ajudam. Lavam a mágoa, o sentimento de vida roubada, de injustiça. 

Às vezes tenho medo, pavor, pânico, que o tempo me leve os contornos nítidos das memórias, as partilhas dos momentos plenos de magia, numa erosão injusta, ditada pelo egoísmo da defesa. Quando sinto isso, ponho de lado e entrego para cima. Para o Universo. É também quando lhe escrevo, que o sinto tão próximo. 

Ainda me lembro de quando o senti mexer pela primeira vez na minha barriga. Estava na S&L, depois do almoço, e parecia que uma borboleta tinha nascido dentro de mim. Sentia as asas, tímidas, pequeninas ainda, a esvoaçar por dentro, muito ao de leve. Foi aí que interiorizei que iria ser mãe, em toda a plenitude da palavra. E a Alegria que isso acarreta! Hoje sinto a sua partida bem no centro do meu coração. É um punhal cravado nas minhas entranhas, que mexe e que rasga, que dilacera, arranca, tal qual tenaz invisível, uma das razões de ser da minha existência. 

Como escrevia hoje ao João, que me apresentou o adjectivo pela primeira vez, pertenço a uma nova condição. A da mãe que perdeu um Filho. Mais uma "Desfilhada". 

Só espero, e acredito, Valha-me Deus, que vocês todos foram chamados para fazerem parte de um Universo maior, melhor, e muito, muito mais completo. 

Que a Eternidade, quando me chamar, me leve até lá! 

(Ou até si, porque onde você estiver, eu vou querer estar!)

Adoro-te Filho Lindo!

Mami



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