Meu Filho adorado,
Mais um dia que chega quase ao fim. Mais um dia sem si. Mais muitas horas, aliás, "as horas", aquelas Meninas sem quartos, da adivinha que o Mano nos colocou, há tanto tempo que parece uma Eternidade.
"Vinte e quatro Meninas fechadas num quarto, todas têm meias, nenhuma tem sapatos." E, contudo, lá andam elas, Carmelitas descalças com calos nos pés, de se moverem a um ritmo constante, entoando, baixinho, uma prece.
Eu sei o que peço todos os dias, lá isso sei eu. Às vezes é baixinho, outras mais alto, até aos berros, mas deparo-me sempre com a mudez, ou a surdez do Universo. Ou talvez não. Ele (o Universo), tem-me murmurado algumas coisas. Ok, confesso, posso estar - e o mais provável é isso mesmo - em negação; mas o que é facto é que, a cada dia que pego na tinta, no pincel e na lixa, ou decido revolver a terra, projecto uma semente. De quê? Não sei. Provavelmente de Amor. O nosso, tão nosso, que me mantém viva.
Não há carta que lhe escreva (excepto a sétima :-)!) que não me faça chorar. Mas as lágrimas ajudam. Lavam a mágoa, o sentimento de vida roubada, de injustiça.
Às vezes tenho medo, pavor, pânico, que o tempo me leve os contornos nítidos das memórias, as partilhas dos momentos plenos de magia, numa erosão injusta, ditada pelo egoísmo da defesa. Quando sinto isso, ponho de lado e entrego para cima. Para o Universo. É também quando lhe escrevo, que o sinto tão próximo.
Ainda me lembro de quando o senti mexer pela primeira vez na minha barriga. Estava na S&L, depois do almoço, e parecia que uma borboleta tinha nascido dentro de mim. Sentia as asas, tímidas, pequeninas ainda, a esvoaçar por dentro, muito ao de leve. Foi aí que interiorizei que iria ser mãe, em toda a plenitude da palavra. E a Alegria que isso acarreta! Hoje sinto a sua partida bem no centro do meu coração. É um punhal cravado nas minhas entranhas, que mexe e que rasga, que dilacera, arranca, tal qual tenaz invisível, uma das razões de ser da minha existência.
Como escrevia hoje ao João, que me apresentou o adjectivo pela primeira vez, pertenço a uma nova condição. A da mãe que perdeu um Filho. Mais uma "Desfilhada".
Só espero, e acredito, Valha-me Deus, que vocês todos foram chamados para fazerem parte de um Universo maior, melhor, e muito, muito mais completo.
Que a Eternidade, quando me chamar, me leve até lá!
(Ou até si, porque onde você estiver, eu vou querer estar!)
Adoro-te Filho Lindo!
Mami
Sem comentários:
Enviar um comentário