Bicho do meu coração,
Têm sido dias intensos, e por isso, não tenho vindo aqui para as nossas conversas. Mas fui à Capelinha do Espírito Santo.
Ontem e hoje foram dias bons. E quando digo "bons", é porque você vive em mim, e faz parte constante do meu pensamento, foram dias em que pensei em si com saudade imensa, mas com menos "mágoa". É como se o desespero da saudade tivesse dado lugar a uma saudade mais "doce". Não é fácil de explicar, contudo, sei que você entende o que o meu coração quer dizer. Foram dias de uma saudade como que pacificada.
E isto é um avanço. Continuo e não ter vontade de estar muito tempo no meio de pessoas. Cansa-me, e, além disso, os meus pensamentos voam muitas vezes para ao pé de si, o que significa que estou como que ausente, as pessoas apercebem-se, e é chato.
Ontem fomos ao Baleal. O Jorge e a Teresa prepararam-nos um almoço de peixinho no forno, uma delícia, e foi muito bom estar com pessoas que me acarinham muito e me fazem sentir "em casa". E finalmente estive com os pés no mar. Não deu para entrar nas ondas, porque me esqueci do fato-de-banho, mas andei descalça na areia da praia, e salpiquei-me de água salgada. Estava quente! Fim de tarde de sonho. Ouvir o bater das ondas, sentir a maresia, e perder-me naquela imensidão, trouxe-me tranquilidade. Falei consigo, claro, muitas vezes e por muito tempo. Cheguei cansada, mas, como já lhe disse acima, com um sentimento de saudade apaziguada que me serenou o coração e me secou as lágrimas. Ora sempre que estas secam, nem que seja por um dia, é porque esse dia foi um dia que mereceu ser vivido. Óbvio que não posso dizer "vivido na sua plenitude", porque os dias passaram a ser incompletos, mas se a minha vida de agora em diante for assim, é menos doloroso.
Hoje andámos na obra. Tudo começa a ganhar forma, antevê-se um final, e isso é gratificante. Amanhã vou para lá logo pela fresca, com o canalizador, o pedreiro e o pintor. Há muitas coisas para fazer e para coordenar, mas eu adoro, e você sabe disso. Tenho posto muito amor naquela casa, muita dedicação. E ela merece. A Buganvília que o Miguel plantou no calor tórrido do Verão, já pegou. Começou por dar uma tímida flor, desde segunda-feira até hoje, já tem cinco. Cinco flores branquinhas, lindas, Vida a desabrochar. A roseira deu à luz o primeiro botão. Também já pegou. O Miguel tem muito jeito para plantas e tudo o que tem a ver com a terra. Tudo medra nas mãos dele, o verdadeiro toque de Midas. Ao contrário de mim, como sabe, que de jardineira tenho pouco. Só faço asneiras e as plantas secam como se estivessem no Sahara.
A dedicação e a energia que a casa me tem pedido, têm sido uma tábua de salvação. Fui eu quem lixou as portadas e as janelas. Enquanto as mãos trabalham e criam, a Alma pacifica. É a melhor terapia que se pode encontrar.
Tim, se você cá estivesse agora, iria gostar. São as Festas do Concelho e a Vila está muito bonita. Toda enfeitada de verde e branco, com tasquinhas, mostras de sabores e artefactos, quermesse - sim, também contribuí com alguns cangalhos e outras quinquilharias, como não poderia deixar de ser - e música ao vivo. É bonito de se ver e de se sentir o frenesim nas ruas. Temos um arraial literalmente à porta de casa. É barulhento, claro e dá uma trabalheira controlar a Foxie, que mal se abre a porta da rua, se esgueira pela calada para ir surripiar ossos e outros restos de iguarias típicas, aproveitando o facto de a Dona Fernanda estar a descascar batatas na cozinha. A Dona Fernanda está no céu. Todos os dias põe um avental novo, e veste-se de acordo com os quadradinhos ou as flores de cada um. Do alto dos seus oitenta e um anos, esteve na festa até às três da manhã a ajudar na cozinha e a meter a rapaziada na ordem.
O Mundo gira. Muito mais devagar, mas gira.
Começo, portanto, a habituar-me à minha nova vida, a uma vida sem si. Penso que tive muita sorte - se é que se poderá dizer isto assim - porque o seu Amor e o seu exemplo de Vida passaram para mim com a sua morte. Nunca deixei a mágoa ou a raiva entrarem no meu coração, porque sempre soube que se o fizesse, a minha vida iria ser um inferno muito pior. Teria ficado presa a esses sentimentos tão negativos, e nunca conseguiria andar para a frente. E eu não poderia querer isso, tendo o privilégio de ser sua Mãe.
Esta nova fase, que aos poucos começa a fazer parte do meu luto, tem-me ensinado muita coisa. Ah Tim, tenho ou não razão? Sinto a cada dia que passa, que você toma cada vez mais conta de mim. Que me abraça, me senta no seu regaço de Luz para me acalmar as lágrimas, me consola e me dá coragem. Ao mesmo tempo sinto-o mais longe, conquanto cada vez mais perto. Esta sensação paradoxal não é fácil de trocar por miúdos, mas eu vou tentar, muito embora pense que você percebe lindamente o que lhe quero transmitir: à medida que a minha dor se apazigua um pouco mais, eu deixo de o chamar, naquele desespero devorador, que muitas vezes ainda me atormenta e me suga para o seu vórtice negro. E de cada vez que eu consigo escapar por mais tempo a esse buraco de escuridão, eu vou para mais perto de si, embora num plano e numa dimensão diferentes. Entende? Eu sabia Filho querido, é claro como a água: à medida que você se solta um pouco mais e sobe, porque eu não o estou a querer ou a tentar prender, eu estou mais perto de si.
Talvez os Psicólogos tenham um termo para esta fase, para este sentimento. Eu não o prendo, você sobe, e, contudo, sinto-nos cada vez mais perto, nos braços um do outro, conquanto num patamar mais "puro", e por isso, muito, mas muito mais intenso.
Você aproxima-se cada vez mais do centro do Céu, e eu sinto-o cada vez mais perto, porque estou apaziguada! Simples!
Que Epifania Tim! Obrigada, meu Filho lindo! Adoro-te meu Amor querido!
Meu Tim :-)
Um beijo imenso neste Outono que começa,
Mami
❤️que maravilha, Ana! Nem tenho palavras para descrever a beleza dos teus textos! Que bem que escreves e o que escreves é lindo!
ResponderEliminarÉ o que sinto! Não consigo ver quem és, mas agrdeço-te na mesma! :-)
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