Boa noite, meu adorado Tim,
Bom isto hoje promete uma carta sem fim, porque tenho mil coisas para lhe contar. Vamos lá a ver se organizo a minha cabeça, coitadinha, que anda um caos: esqueço-me de tudo, logo eu, com aquela memória de Elefante que tinha, e demoro longos minutos a raciocinar.
A semana foi intensa: fomos ao cemitério no dia dos anos da Oma: o Pai, o Mano, a Oma e eu, colocar as suas cinzas. Não foi fácil, mas penso que foi importante. Não me apetecia nada, mas deixei lá a sua fotografia e o quadrinho com a sagrada Família, que a Concha e o António fizeram, quando o convidaram para padrinho. Tinha trazido esse quadro para por no seu altar aqui, mas algo me dizia que não estava certo. Levei-o de novo para Lisboa e agora sei que encontrou o lugar onde pertence.
Tudo ainda me parece irreal. Ou seja: a minha parte racional percebe isso, a minha parte emocional, a minha Alma e o meu coração não conseguem conceber (ainda?) esta não-presença física. Sabe, aquele abraço enorme, quente e aconchegante, o seu polegar na minha testa, o seu: "adoro-te Mami", tudo isso me faz falta. O seu cabelo lindo, com o remoinho à frente, onde, desde a sua infância, eu adorava passar os dedos, o seu cheirinho, o som da sua voz, tudo!
Mas voltemos ao relato.
A missa foi uma beleza, o Padre João não pôde celebrar, mas o Padre João, amigo dele, veio e fez uma homilia linda, que me consolou por momentos. A Aninhas e o João leram a Oração dos Fiéis, que eu escrevi. Também foi a Aninhas quem organizou o coro, outra maravilha. Depois da missa, a sua segunda Família, aquela Trupe ÉPICA de miúdos de coração enorme, convidaram-nos para jantar.
Tim, foi...nem tenho palavras para descrever como foi. Foi um bálsamo para a Alma e uma alegria para a Oma: quando chegámos, cantaram os parabéns e ofereceram-lhe um ramo lindo de flores. Ela coitadinha, estava sem palavras, entre a tristeza profunda, e a felicidade por sentir que, em cada um daqueles corações, bate um bocadinho do seu. O Pedro e o Filipe ficaram ao lado dela, e foi uma tática genial. Foi um jantar de recordações únicas, de passado, de presente, mas também de promessa de futuro, num hiato de tempo cristalizado no tempo, com memórias de tempos tão felizes! São Miúdos especiais! O Bernardo contou-me a história da pulseira e eu, bom, e eu tive de me esforçar para não desatar num pranto. Recordámos tanta coisa, de Barça, de jantares, de aventuras, foi...ÉPICO!
Você teve a felicidade de inspirar duas famílias: aquela onde nasceu, e a que escolheu!
A Oma e eu conversámos até às cinco da manhã. Chorámos muito, mas foi como que uma catarse. Estava a precisar disso. No dia seguinte fomos ver o mar com o Dany e a Sofia, e soube-me tão bem aquela imensidão!
Depois regressei.
Penso que entrei num novo estágio desde o dia dois de Setembro. Não sei bem explicar o que sinto, aliás, nem me consigo articular, tal é a imensidão desta dor, mas é um patamar diferente deste Luto. Muitas coisas me assolam o pensamento, coisas estranhas. Deparo-me com um monte de dúvidas, de incertezas, e, sobretudo, com a constatação impronunciável da sua morte física. Tenho de aceitar esse facto e questiono-me constantemente, nestes últimos dias, como é possível uma pessoa, aliás, "A" pessoa que conheci com a maior Alegria de Vida e ânsia de viver, já não estar neste Mundo que conhecemos. Como é possível? E como é que eu vou aprender a viver com isso?
Tim...não tenho resposta!
O Zé fez um apanhado com vídeos e fotografias suas. Um filme que retrata a sua Vida de uma forma tão perfeita, mas tão perfeita, que me fez suster a respiração. Já o devo ter visto pelo menos, duzentas e vinte vezes. Com a música dos Dotan, que você me mostrou há um tempo, e que gosto tanto de ouvir. Já a tenho no Spotify. Ah, esquecia-me de lhe dizer, graças ao Pai, recuperámos as suas playlists todinhas. Tão bom! Até o Alexa Mood está cá!!! Não posso deixar de sorrir quando a ouço, sete minutos a recordar uma das nossas últimas conversas, e a imaginar outras tantas ;-)!
Tim...
...depois há o Legado, aquele espólio tramado, ensinamento herdado de si, que tem um peso tremendo, conquanto de uma leveza indescritível, aquela que se chama: AMOR! Acho que não existe um substantivo tão abrangente como o "AMOR". Ok, talvez haja um: VIDA. Mas o AMOR é maior, porque não se pode viver sem amor. É o Amor que cria e que sustenta a Vida, mesmo depois da morte. A morte é mortal perante a Vida, porque enquanto houver Amor, a Vida é IMORTAL!
Entretanto tentemos voltar ao racional: já marquei a psicóloga. Mal não faz, e talvez ajude a aprender como aceitar, com humildade e sobretudo com resignação, este desígnio. Como mulher de letras, não posso deixar de me surpreender perante uma característica comum aos idiomas que conheço. Já reparou que há um adjectivo para:
- Uma pessoa que tem de fazer o luto do seu marido ou da sua mulher?
- "Viúvo".
- Uma pessoa que faz o luto dos pais?
- "Órfão".
- Então e quem é obrigado a sofrer o luto de um Filho ou de um Irmão? Nós somos o quê? Definimo-nos como?
Como Sobreviventes de uma dor sem fim, que nos leva ao limiar da sanidade mental, obrigando-nos a um esforço sobre-humano para nos aguentarmos e nos redefinirmos perante o nihil? É isso? E como é que nos recriamos a partir do vazio?
Só vejo uma forma: através do AMOR!
"MAIS AMOR POR FAVOR?"
Sempre!
Adoro-te Filho LINDO!
Mami
P.S. Já tinha carregado no "publicar" (ou enviar para o Céu) esta carta, quando percebi que era a...
7!
(em número, de propósito) :-)
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