domingo, 18 de setembro de 2022

18.9.2022 - One Day minus 46 - Dúvidas

 



Meu adorado Filho,

Cheguei a casa! Foram dois dias intensos em Lisboa e quero contar-lhe sobre isso. 

Fui à Psicóloga. Uma pessoa querida, simpática e calma. Foi bom porque falei sem (quase) parar, chorei, zanguei-me (segundo ela, e provavelmente tem razão!), e confessei-lhe as minhas dúvidas sobre a minha sanidade mental. Saí de lá com a ideia de que afinal estou mais sã do que pensava. O que já não se pode dizer que seja mau.

Depois fui almoçar à Oma. Foi óptimo. Achei-a triste, muito triste, e sem a força de continuar este caminho, mas lá lhe li o Responso, e disse que é para seguir, porque é muito precisa cá. Por todas as razões e mais uma. Portanto, nada de desistir!

À Tarde, fui ter com "as Mães", o meu grande propósito de ir a Lisboa. E foi tão bom Tim, tão bom, que não há palavras. Fomos ao "Lost In" e naquela esplanada aconteceu Magia. A Magia do Amor, da Saudade, da Paz e da Partilha. Sobretudo da Partilha. Éramos três, e você conhecia o filho de uma Delas, e tinha estado em Barcelona com um dos filhos da Outra; como não poderia deixar de ser. Aliás, muito me admiraria se assim não fosse. Acredito que enquanto nós, cá em baixo, partilhávamos água com gás e limão, memórias, vivências, desgostos e anseios, vocês, aí em cima, bebiam uns daqueles seus cafés únicos de Barista, cheios de espuma de leite, e em cada um deles desenhava-se o "M" de Mãe, polvilhado com canela, como eu tanto gosto.

Foi bom Tim. Foi bom estar com outras "Defilhadas", embora eu goste mais do termo escrito com "S", ou seja, "Desfilhadas", porque, como já lhe contei, me faz lembrar as flores sem pétalas - ergo - sem vida, sem objectivo, sem "beleza". Enfim, como se escreve não interessa. Importante é o que se sente. E sabe Tim, na pior coisa que pode acontecer a um Ser Humano em Vida, encontrar outras Mães e outros Pais na mesma situação, dá-nos uma sensação de partilha. A sua Omi costumava dizer: "Geteilte Sorge ist halbe Sorge", e é verdade. Quando partilhamos os desgostos ou preocupações com outros, eles dividem-se. E com isso, cada pessoa tem de acarretar com menos peso.

Saber que há outros como nós, ajuda. Porque uma coisa tem de ser dita. Ou melhor, escrita: Quando morre um Filho, existe uma Vida antes e uma vida depois, embora essa vida, mesmo que com minúscula, seja um eufemismo para este calvário. 

Há momentos, como agora, em que chego a casa e olho para o seu Altar, ou para as suas fotografias e ainda me custa a crer que nunca mais o vou ver ou abraçar. 

Existe uma questão que não deixa de me inquietar o espírito: Há Mães que perderam os seus filhos há mais de vinte anos. Não lhes quis perguntar isto, com receio de as colocar perante uma questão difícil e dolorosa, mas a minha pergunta seria: 

- "Como é que vocês vêem agora os vossos Filhos quando pensam neles: como as crianças/adolescentes/jovens que eram, ou como seriam (ou são?) agora?" 

Acho que é uma pergunta pertinente, e se faz favor lembre-me de perguntar isso à Psicóloga, porque é de primordial importância. É semelhante à questão: "Eu tive dois Filhos" ou "eu tenho dois Filhos"? Todos os Pais com quem falei, partilham do mesmo tempo verbal: TENHO. Porque um Filho nunca morre para nós. Mas isso pode denotar muita coisa no que diz respeito ao estado de espírito, e consequentemente, à nossa sanidade mental. Eu falo de si no presente quando me refiro ao MEU FILHO MAIS VELHO, e no passado, quando relato episódios seus. Mas a diferença é abissal, porque os episódios aconteceram, e assim sendo, estão no passado, mas você ser o meu Filho mais velho, é um facto, traduzido no Presente do Indicativo. Eu não "fui" sua Mãe, eu SOU sua Mãe, e, embora você me tenha sido roubado, continua a ser meu. Nunca deixarei de ser a sua Mãe. Sou a Mãe de um Filho que morreu. Mas a sua morte não acarreta a inexistência de um facto que foi, é, e será, até eu morrer, metade da minha razão de viver...

...Bom, acho melhor parar de filosofar, senão é que me internam mesmo num colete de forças. 

Segui para a Oma, e jantámos com o seu irmão. Gostei tanto de o ver! Está com uma pele fantástica, um cabelo curto, de um loiro muito escuro, e os olhos muito azuis, tão expressivos na sua emoção! Eu fiquei no seu lugar, propositadamente, e empanturrámo-nos de Sushi. E falámos, falámos, falámos.

Depois o Mano foi "angariado" pela Oma para a pôr up-tp-date acerca das tecnologias: levou-lhe o computador dele, instalou as tretas todas, e sincronizou mais mil e um gadgets, não sem antes explicar duzentas e trinta e cinco vezes, a metodologia e os procedimentos a respeitar, para se desfrutar de uma sessão televisiva.

Ontem, porque são três e meia da manhã de dia 18, acordei tarde e estive à conversa com a Oma até depois do meio-dia. Almocei com o meu "Manito" num sítio do qual não me lembro o nome, porque também não é importante, mas foi à beira-rio, e pouco depois segui para a Estação do Oriente.

No comboio, vim a ler o livro sobre o Luto, consigo ao meu lado. Ou terá sido em mim? À minha volta? Não consigo precisar, sei que deixei as lágrimas correr, perante o olhar incrédulo dos outros passageiros, mas para isso estou-me a borrifar desde o dia dois de Agosto deste maldito ano!

Há um Antes e há um Depois. Há uma Vida e há uma (sobre)vivência. Há a Plenitude, e há a limitação. Há Vida e há a morte, a Esperança e o desespero, a Paz e a inquietude...mas também há:

O Amor e há...

... O AMOR!

(Amo-te Filho Lindo!)

Beijo da sua Mãe que o adora,

Mami!

P.S. Como diz outro Defilhado de quem gosto muito, muito, muito: "Ajuda a pousar os cristais da dor!"

(Café tirado por si no Arts a 25/08/2018)


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