Meu adorado Filho,
Tantas pequenas, e conquanto enormes coisas formam o Tempo, que me pasmo a cada dia que passa.
Converso consigo vinte quatro horas por dia, vezes sessenta minutos, vezes tantos nanossegundos, que lhes perco a conta. Perco-me em tudo o que lhe sussurro, sobretudo quando mergulho nas águas mornas da Barragem, e oiço as cigarras a contar-me as suas histórias, num "cri-cri" que ecoa pelo campo, para se vir silenciar no colo calado do meu regaço emudecido pela saudade, enquanto o meu olhar repousa sobre o local onde empunhando gloriosamente um guarda-sol azul, porque nos tínhamos esquecido da base, e havia que proteger a sua Oma dos raios ultravioletas, você mirava as águas tépidas de Castelo de Bode e conversávamos.
Olhei hoje de frente esses metros quadrados e recordei esse verão. A Foxie ainda era viva. O Mundo era diferente nesse tempo, que eu pensava intemporal. Foram tempos diferentes, felizes, mas diametralmente opostos.
E nestes anos que medeiam esses tempos, Tempos ou temporadas, decidi que seria em dois mil e vinte e quatro que iria mudar as portas da cozinha. Desde Abril que andamos nisto, e amanhã - finalmente - vem o Sérgio. Já nem me lembro bem da cor que escolhi, sei que era um branco marfim, a atirar para o pérola claro, assim numa tonalidade que se parece com clara de ovo, a fazer "pendant" com os azulejos da cozinha. Amanhã, ou melhor, daqui a umas horas, vou ver como fica. Estou curiosa. Já perdi a "ansiedade", essa já nem sei o que significa, depois da viagem que fiz envolta numa prece para que o visse ainda com uma réstia de vida (humana), e o Universo concedeu-me essa Graça, como tal, estou - apenas - curiosa.
Ontem chorei como há muitos meses não o fazia. Não sei porquê, mas abri as torrentes do meu coração, as comportas da minha emoção, na barragem que é o meu quotidiano, e dei largas ao oceano de sal que me invadiu, deixando fluir. E nesse naufrágio, nessa tempestade perfeita, uns (a)braços fortes me enlaçaram e comigo choraram a dor da falta, esse abismo sem fim, onde nunca se alcança o chão, porque infelizmente ele não existe, e nos vemos mergulhados numa apneia que nos rouba o fôlego. E foi nesse(s) (a)braço(s) que me afoguei.
Martim...tenho-lhe escrito não apenas aqui, mas também por "aí", porque a forma como converso consigo é sempre a mesma, é a linguagem do coração. Nestes últimos dias tenho sentido a sua falta de uma forma incrivelmente formidável na sua magnitude, algo de transcendente na sua intensidade, que - uma vez mais - me rasga as entranhas. Não sei se é porque finalmente posso sonhar, ou porque me sinta a viver de novo, se seja por ver as minhas preces atendidas, conquanto por outro lado, o Universo me mande uns sinais de dor, seja porque razão for, sinto a sua falta com a mesma saudade como há dois anos e vinte e cinco dias atrás, SETECENTOS E CINQUENTA E SETE DIAS de conversas constantes, de tantos, mas tantos soluços partilhados, daqueles mesmo guturais como só uma Mãe pode arfar, na maior dor que se pode imaginar, que lhes perdi a conta! Mas também de sorrisos, porque há tanto para fazer aqui, e depois do sofrimento atroz, essa mesma vida decidiu - finalmente - ser meiga, numa carícia suave, num repouso merecido, num descanso de Alma extenuada, exausta, exaurida de tanto sofrer.
Na Paz do dia de hoje, ou de ontem, porque já é de madrugada, uma borboleta branca brincou diante do meu olhar, pousado na suavidade do verde alagado da paisagem. E os meus pensamentos voaram para aquele dia de Verão, e para o Inverno que se seguiu, e para mais um Verão, e para mais um Inverno e para mais um Verão. E nesse Verão pararam porque a minha vida se desfragmentou. E foi desses cacos, desses estilhaços, que decidi que iria tentar formar alguma coisa que contivesse vida. E é nos braços dessa decisão que repouso os meus soluços e encontro alguma da Paz que tanto preciso!
Mil beijos meu Filho, da sua Mãe que o adora,
Mami!
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