sábado, 10 de agosto de 2024

10.08.2024 - One Day plus 372 - quando começamos a perder a conta aos dias...(739 dias depois!)

 




Meu adorado Martim,


Uma Mãe nunca perde a conta aos dias, porque contar os dias (de Saudade) faz parte de um coração de Mãe em perpétuo desgosto. Mas quando reparamos que já temos que fazer algumas contas, entendemos que essa contabilidade tem um grande significado. Quer dizer que começamos a integrar o Luto. O Luto mais cruel que alguma vez se pode vivenciar.

Integrar o Luto não é fácil, porque representa a aceitação de uma aberração da realidade, transportando-nos para um Mundo transtornado, espiral de pensamentos magoados por emoções defraudadas, e perdidos nessa dor, o que queremos é negá-la, como se ela não existisse. Ou como se ela tivesse ficado no passado. Ou nunca tivesse existido. Na loucura do que foi tudo por que passei, cheguei a questionar se seria mesmo sua Mãe ou tudo não tivesse passado de um sonho. Percebi, e corroborei com os dois Anjos que me seguem, Fátima, como a Nossa Senhora, e Ana (Carolina) como eu, que também isso faz parte do processo de integração da aberração.  Penso que ao transpormo-nos para o presente, aceitando essa mesma dor como parte do nosso quotidiano, mas falando sempre abertamente sobre ela, conseguimos que ela comece a parecer uma parte de nós. E ao ser uma parte de nós, é como se ela tivesse sempre existido nesta nova vida. O tempo ganha toda uma nova dimensão. 

É um dos temas que gostava de debater com outros pais órfãos de filhos: se de repente o tempo tivesse um Tempo muito próprio, como se tivéssemos vividos várias vidas. Quando me olho ao espelho, quando passeio pelo campo ou discuto os meus ideais, quando faço planos de decoração interior, quando sonho, quando projecto, sinto-me como se tivesse quarenta anos. Quando penso na sua morte, e nos últimos dois anos e em tudo o que (me) aconteceu, sinto-me Matusalém. Tenho mil anos em cima, e muitas, muitas vidas. Mas tive (ou tenho?) a sorte de ser feliz, neste meu novo conceito de Felicidade. Depois de perdermos um filho, cada dia em que não choramos é um fenómeno, e cada dia em que temos a sorte de poder fazer planos para o futuro, é um milagre, porque somente os afectos sem limites nos conseguem, de alguma forma, sarar, e esses são raros. Ou se calhar estão guardados para aqueles que aprendem a muito custo que é na Alegria de um por do sol que se encontra a Felicidade quando mais nada nos resta para nos manter à tona no oceano das emoções roubadas, e a partir daí, dá-se a epifania, ou a soma do Todo, e esbarramos com "happenings" que nos alteram para sempre a Vida, e agora pela positiva! O Tempo ganha um novo fôlego intemporal, quando vivemos em dois meses mais do que em duas décadas, e cada dia, em Paz! 80 dias dão para muita coisa. Até para a Volta ao Mundo...e não me refiro apenas à obra de Júlio Verne. Voltar ao Mundo significa querer viver. E querer viver é, para quem perdeu um filho, integrar o Luto. 

Será isso uma dissociação de personalidade, numa vã tentativa de alguma coisa? Não sei, mas não me parece. Parece-me que significa que começamos a interiorizar. E a integrar. E de alguma forma inexplicável, abraçamos a Vida de novo. É "uncharted territory" que pisamos, vivemos entre o "trial & error" e o "gut feeling". Mas se vivermos sem medo, cada dia com o coração nas mãos e Fé no Universo, dando Graças pelo que a Vida nos dá, percebemos que tivemos sorte. Por conseguir essa integração. Por termos pessoas maravilhosas a cruzarem o nosso tempo e espaço. Por finalmente conseguirmos viver em paz, deixando que a Paz se instale no nosso coração!

Estamos vivos...pelos (nossos) Vivos, enquanto carregamos os nossos Mortos para sempre em cada batimento do nosso coração!

(e escrevemos, pela primeira vez, a palavra com maiúscula!)

Mil beijos da sua Mãe que o adora,

Mami


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