quinta-feira, 8 de setembro de 2022

8.9.2022 - One Day minus 36 ( "spicy" Wood)

 


Meu querido Tim,

Hoje vim ao seu encontro um pouco mais cedo: está um pôr-do-sol de cortar a respiração, e fui à garagem buscar mais um "cacalheiro", como diz o senhor Ramiro, para aproveitar para a nova quinta. Acabei dois, um que encontrei por lá, na Quinta do Miguel, e outro que o senhor Ramiro me ofereceu, que era feio como a noite. Daquela madeira horrível, anos setenta, escura como breu, mas que pintada e desgastada, depois com cera, fica linda numa cozinha. Com os frascos das especiarias, claro.

Ainda me lembro de você me ensinar a fazer um Guacamole como deve de ser. 

- "Batedeira?! Mãe, tá doida!? O Guacamole esmigalha-se com um garfo, para ficar um puré, não uma sopa!" 

- "Onde é que pôs a pimenta? E o sal? Não é essa Mãe, pelo amor de Deus, é a de Caiena, mas não a encarnada, é o frasco que tem a mistura das três cores."

Rendi-me à minha ignorância de Pantagruel, ou será de Gargântua? de trazer por casa, e deixei-o ensinar-me.

Mas já me estou a perder de novo, nas memórias, aquelas benditas recordações por onde navego nos últimos trinta e oito dias da minha nova condição. Estamos sempre a aprender - com quem tem a boa-vontade de nos ensinar - e hoje aprendi que existe um novo termo para a nossa condição. Somos "DESFILHADOS", (segundo o José Eduardo Rebelo), e eu gosto da expressão. Aliás, deveria fazer imediatamente parte do Priberam. 

Porque desfilhados é precisamente o que nos sentimos. Como as flores que são desfolhadas, ou seja, despojadas das suas pétalas, também nós somos evictos, mendigos, e de certa forma, procrastinados, porque causamos desconforto, perplexidade e compaixão. O que está profundamente errado, deveria ser: "com paixão". Mas pronto, a César o que é de César, e mais cartas para lhe escrever!

Mas como eu dizia, antes das especiarias me levarem para a meditação que é transformar a madeira, com a Foxie sempre como figurante de terceira classe clandestina, porque mais canídeo de primeira não há, fui pintar. Pus os iPods e deixei-me levar ao som de Bee Gees, "Staying Alive", afinal estou a transformar uma peça "vintage" e tenho que (sobre)viver. Enquanto o pincel afagava de branco o castanho, e das trevas fazia Luz, eu murmurei-lhe uma prece. Uma bênção (de Mãe), um sussurro (de cumplicidade), um murmúrio (de dor), um suspiro (de Paz). Momentânea, efémera, longínqua quimera do meu coração, omnipresente no meu quotidiano esmifrado, sofrido, dilacerado, e ao mesmo tempo grato por ter tido o privilégio de ter sido a sua...

"Mami!"


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