Meu adorado Filho,
O "W" é propositado. Seis meses sem NÓS é demasiado. Sem nós, sem os nós que nos atavam naquela cumplicidade única! Meu Filho...tanto, tanto para dizer, para sonhar, para concretizar, para fazer acontecer, naquela velha parangona do "Make it happen"! Quem me dera! Mas não consigo, por mais que tente com todas as minhas fibras, e todas as minhas fibras o tentem, em incansável trabalho de equipa. Não consigo.
Ou talvez consiga, mas de uma forma que ainda me custa muito a entender. Filho é difícil de explicar, e quem me dera que tivéssemos acesso a mais informação objectiva sobre a emotividade. Que houvesse mais relatos na primeira pessoa, para que pudéssemos entender o que sentimos, e de alguma forma inconcebível, racionalizar a loucura, numa derradeira tentativa de preservar a (in)sanidade. Mas eu não encontrei nada até agora. Talvez não saiba procurar, ou talvez aquilo que eu sinto em relação a mim e a alguns outros, que entretanto cruzaram o meu caminho, porque "Birds of the same feather flock together", é o peso do estigma. Sim, sejamos honestos, é um estigma. Perdemos a nossa entidade, e passamos a ser:
- "Estás a ver? É aquela, Coitada, aquela que perdeu tragicamente o filho, no esplendor da idade!"
Deixamos de ser quem éramos. Falhámos como Pais, ao não conseguirmos proteger os nossos Filhos, como seres humanos, enquanto não capazes de assegurar a nossa eternidade, como indivíduos, a quem foi retirada a própria identidade. Somos Apátridas, Párias dos afectos, orfãos do Amor, pedintes de uma Felicidade roubada.
Encontrarmos o nosso Ego, resgatá-lo do Nada, colarmos as nanopartículas desfeitas do nosso Ser requer um esforço imenso. Gostava muito de conversar com outros sobre isto, mas existe o Tabu. O Estigma. E por detrás desse estigma, o silêncio soluçado das lágrimas solitárias. O que acaba por ser uma pena. Talvez eu esteja a querer demais - presunção e água benta, cada um toma a que quer - mas se alguém nas mesmas circunstâncias me ler, conseguirá talvez encontrar alguns paralelismos, alguns rasgos idênticos de sofrimento dilacerado, e com isso, entender que não enlouqueceu, mas que é "tudo normal". Se uma pessoa - uma pessoa basta - se identificar com o que sinto, então já é um traço gigantesco da minha dor que se suaviza, e ao mesmo tempo, é uma Paz que se me instala porque penso imediatamente:
- "Se ela se consegue reinventar, se sentiu parte ou tudo o que sinto, então é porque não estou doida!"
Caminhamos Filho. Passo a passo. Sempre a relembrar, sempre a recordar, sempre a reviver, mas tentando também sorrir, e abrir o coração para os que precisam de nós. É na dádiva que encontramos a abundância.
Filho...
Meio ano sem si, parece que foi ontem, e ao mesmo tempo, há mil anos, paradigma temporal que nem vale a pena tentar desvendar. A Eternidade não tem Tempo, porque encerra em si o próprio Tempo, que, claro, não existe.
Caminho Filho, por si, e por todos os Meus, mas também pelos Nossos. Em todas as conjugações do verbo. Embora, por enquanto, o Gerúndio me pareça mais seguro. Fica a promessa do Futuro do Presente do Indicativo.
Um beijo meu Bicho!
Mami
P.S. Às vezes pergunto-me, se as mães de(s)filhadas que morrem velhinhas, são reconhecidas pelos seus Anjos quando chegam ao Céu. E ao mesmo tempo, penso o que sentem as Mães que perderam os seus filhos há décadas. Qual a imagem que guardam deles? A sua mente projecta-os como eram quando morreram? Ou fá-los envelhecer, acompanhando o escorrer das areias de um Tempo inexistente? ("Is anybody out there? Anybody at all???")
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