Meu adorado Martim,
Há tantos dias que lhe queria escrever, mas não conseguia encontrar as palavras no tumulto do meu coração. Agora, mais apaziguado. Ou menos dorido, sei lá eu.
Meu Filho...mataram-me a Poppie no dia 24.12. ao final da tarde. Foi atropelada e fugiram. Era um dia "normal" de véspera de Natal, tal como o dia dois de Agosto de dois mil e vinte dois. Até que um telefonema me virou a vida ao contrário novamente. Sei que para uns, é "apenas" um cão. E sim, era. Mas para mim era a fonte dos meus afectos, onde depositei esperança, amor e vida, uma cadela fantástica, que eduquei a tanto custo, numa réstia de um sopro de vida que ainda existia em mim. Achei que enlouquecia, enquanto ouvia a voz aos soluços do Miguel. Uivei de dor. De desespero, de frustração, de desgosto. Revivi o dia da sua morte, quando o Miguel a trouxe, ensanguentada e inerte, envolta num casaco, e a sepultámos ao lado da Foxie. Chorei de mágoa, gritei ao Universo, porque - caramba - quanto mais pode um ser humano aguentar sem se ir abaixo, que mal fiz eu para me acontecer mais este infortúnio, quanto pensa o Universo que eu aguento sem desistir?
Mas não desisti. E fui buscar a Baga. A Baga que é uma alegria. Mas sinto-me vazia Filho. Vazia e cansada, cansada de dar. Dou com Amor. Sempre, mas também gostaria de ter um pouco de Amor de volta. A Baga dá-me o amor inocente de uma cachorra de dois meses. Só faz asneiras, e eu sinto-me velha e pesada, conquanto esteja cada vez mais magra, porque o sofrimento pesa. Pesa toneladas. Pesa uma vida (in)acabada, cosida em retalhos de pano cru, remendada e esfarelada, exprimida até ao tutano, num túnel de escuridão de onde tento todos os dias sair, mas cuja porta me está sempre a ser mudada de sítio.
Começo a desenvolver uma fobia, a de que todos os seres que amo, me são roubados. Tenho a perfeita noção de que não vai ficar por aqui, e é essa suspeição que me rouba o sono e a força.
Passei o Natal em modo automático, e ainda bem que o Mano e os Amigos cá estiveram, porque me obrigaram a manter o foco. Mas por dentro, toda eu era lágrimas. Fui rio salgado, chorado, tumultuoso e revolto, remoinho da espiral, na cascata de que sou feita.
Martim, sei que estou certa, conquanto viva algo semelhante a "Voar sobre um Ninho de Cucos"! Querem-me fazer louca, aqueles que, precisamente, advogam a vida livre e o livre arbítrio, os que defendem a liberdade (de expressão individual), mas que rapidamente se contradizem, quando a mesma pede alguma compaixão, ou compreensão ou o que quer que seja.
"Walk your Talk" é tão fácil de verbalizar, mas tão difícil de viver, porque as pessoas são um poço de egoísmo, e a sua pseudo-empatia, só serve os seus propósitos, porque quando se trata de "ESTAR", foge tudo. Bom, tudo não. Há pelo menos, uma pessoa que ESTÁ. O meu Mano. O meu Mano entende-me. Não tendo filhos, é empático, e ama-me, na inocência de um amor que nada pede, e tudo (me) dá. Entende que existe um buraco na minha Alma, um buraco negro, que só se apazigua com Amor. É a única pessoa neste Mundo que nada me pede, que lê (n)os meus silêncios a mágoa que me assola, que está presente, de corpo e de alma, num Algarve que vai surgir, trazendo-me o mar à palma da mão, com o sal que me purifica. A única pessoa que defende o meu ponto de vista, e que me assegura que loucos estão os outros. Todos eles, no seu egoísmo, de que há prazos para curar um sofrimento que é incurável.
Todos exigem. TODOS. Ninguém pára para pensar, que é precisamente essa exigência que dá cabo de mim. Porque não sou, não fui, não apareci, não visitei, não fiz, não aconteci, não comprei, não calei no meu âmago as minhas necessidades emocionais. Ninguém pára para pensar que, quem precisa sou eu. Não os outros, porque as suas vidas continuam de uma forma ou de outra. Foi a minha que ficou suspensa. E um dia, quando eu fechar os olhos e for ao seu encontro, nessa altura vão dizer:
- "Caramba, que poço de energia esta mulher. Que garra, que stamina, que força da Natureza!"
Irei deixar algumas saudades, disso não tenho dúvida. Pelo menos, aos que me amam de verdade. Os outros, consolar-se-ão depressa, mas também me estou a borrifar para isso, porque quando for, vou para ao pé de si. Vão chorar muito, como quando você morreu, mas depressa a vida os vai engolir, na sua sofreguidão gulosa, derretendo no seu estômago qualquer resquício de saudade que teime em existir, e seguem. No "fast lane" do "live and let live", os afectos de hoje em dia são rápidos, intensos e deixados para trás. É o preço do modernismo numa sociedade cada vez mais superficial (e supérflua)! Tudo é momento. Tudo é consumível. Defendo que o Amor não o é. Mas também, hoje em dia, sou mais advogada, não do Diabo, mas dos Anjos. Defendo o significado de muita coisa.
Meu Filho, deixei as passas no bolso, não pus o pé direito à frente, não fiz nada. Simplesmente vivi, um dia de calendário como outro qualquer.
Estou. E sei. Sei, naquela sabedoria ancestral, milenar, pedra basilar da minha existência, premonição em tempo real, sobre um futuro que irá acontecer.
E enquanto a vida se desenrola, a Baga está. Comigo.
Obrigada meu Filho do Céu, meu Martim, meu Amor querido, meu Anjo!
Presumo que no Céu não haja tempo...
...
Mil beijos da sua Mãe que o traz para sempre no seu coração,
Mami!
Sem comentários:
Enviar um comentário