Meu adorado Filho,
Não tenho transcrito os nosso diálogos, porque em duas ou três semanas, podem acontecer séculos de acontecimentos. Tanto (in)esperados como inusitados. Acontecimentos que nos catapultam no tempo, para um Tempo em que vivíamos tempos diferentes. O Mundo avançou naqueles saltos quânticos, tanta coisa aconteceu, mas algo permanece imutável, no calmo, conquanto frenético decorrer dos minutos dos dias, onde os segundos foram cristalizados em momentos fugazes. E essa imutabilidade é o timbre da sua voz. Guardado no meu telemóvel como se de um tesouro se tratasse, está gravada a sua última mensagem de voz, neste cofre-forte electrónico, decorado com uma maçã nas suas costas. Termina com:
- "Adoro-te", essa palavra mágica, que transcreve tudo aquilo que nos uniu, tudo aquilo que nos une.
Falando de novidades, o Loft vai tomando forma a um ritmo de caracol, que desafia a minha paciência, enquanto, simultaneamente, brinca com a minha visão criativa, positivismo de "make it happen" de mãos dadas com um amadorismo decorativo de quem quer ser um "Drew Pritchard" versão Tuga, vasculhando velharias, tesouros e cacarejos no Senhor Ramiro.
As datas são o que são, e mesmo a mais promissora, a milagrosa, a que assinala(ria) o início do fim deste martírio, foi cancelada. Não há palavras para descrever a desilusão, o desgosto e a tristeza que me assolaram depois de ver adiada a data - tão, mas tão ansiada - do julgamento. Depois de me ver confrontada com informações que sempre não quis saber. O Universo continua a por-me à prova, na sua infindável crueldade, e, conquanto, há quem esteja bem pior.
Hoje (re)vivi aqueles últimos segundos, eternizados em minutos, perpetuados na minha memória todos os dias, o dia em que o abracei pela última vez, e também aquele em que me vi forçada a despedir de si, numa dor e numa angústia inenarráveis, momentos que me transformaram, num átomo de Tempo, noutra pessoa.
E hoje sou eu, colagem de memórias cuja fita-cola já começa a amarelecer com o tempo, um ser que aprendeu a (re)conhecer, por entre alguns traços dos quais mal me lembro, numa reminiscência esquecida de um passado longínquo, traços que procuro recordar. Foram mil anos e um pouco mais de meio século, um tempo que nunca me pertenceu, mas do qual me sonhei Senhora. Infelizmente, o Tempo não nos pertence, vivamos o presente enquanto dádiva.
Meu Filho, a Primavera deste ano chegou a chorar, em torrentes de água que fazem dos riachos rios, e das poças lagos, mas mesmo no meio destas lágrimas da Natureza, o campo quer rebentar numa profusão de flores brancas, amarelas e lilases.
Dói-me o joelho, cansado desta caminhada extenuante, e estou preocupada, porque se não me locomovo, não sobrevivo.
É tarde, tenho uma cascata de palavras para lhe sussurrar, plenas de saudades, mas também de Amor.
Mil beijos da sua Mãe que o adora,
Mami