domingo, 28 de julho de 2024

28.7.2024 - One Day plus 359 - Para si Martim, para Mim, para os “Outros”, para Todos…as Linhas da Saudade!





Meu adorado Martim,


À medida que o dia dois de Agosto se aproxima, a minha saudade aumenta. Sendo um ser racional, sei, que da forma como existiu durante vinte e seis anos, já não volta, mas as saudades do seu corpo físico, da sua voz, e sobretudo dos abraços que me dava, do toque e do cheirinho suave da sua pele, são e continuam imensas. Para os comuns dos felizes mortais, o Luto por um Filho é algo de incompreensível, e de “fácil” gestão nos conselhos que querem dar - alguns até impingir -  mas para quem sente e sofre na Alma uma perda inenarrável como esta, para quem continua a ser Mãe de um filho que morreu no auge da sua Vida e sem qualquer culpa, para quem a vida foi implodida de um segundo para o outro, a Saudade torna-se uma companheira constante.


Sejamos honestos, é muito difícil (sobre)viver para ver o desenrolar do Futuro enquanto se torna Presente, os seus amigos a casar, os dramas quotidianos a acontecer, os netos dos nossos amigos a nascer, enquanto nós choramos na Terra por quem agora habita no Céu. A pressão da Sociedade é de uma dimensão de tal forma cruel, que inimaginável, e só nós, que fomos forçados a (con)viver com esta mágoa e esta tristeza, conseguimos abarcar o peso da dimensão da mesma. Procuramos formas de mitigar esta dor imensurável, de tornar a passagem neste Tempo e neste Espaço mais suportável, mas NINGUÉM consegue imaginar a quanto custo. Quem tem a sorte de aprender a alegrar-se das pequeníssimas coisas do dia-a-dia, de um quotidiano que mais parece uma existência surreal, consegue (sobre)viver, mas no entanto a nossa Alma transporta em si uma ferida que não tem cura, uma chaga permanente, um sangrar diário, um rasgo rasgado nas e às entranhas como que por bisturi afiado!


Que saudades meu Amor querido, que falta que me faz. Que tanta coisa vivi, sofri e sobrevivi entretanto, nestes quase dois anos, como se de várias existências se tratasse. Acho que os Pais que perdem Filhos vivem num Tempo e num Espaço que não é nem presente (e real), mas (n)um limbo temporal e surreal, irreal na sua magnitude, não presencial nas formas (esotéricas) que encontramos para comunicar.


Não há palavras para descrever a minha dor, nem a minha saudade, e muito menos para contar tudo o que vai na minha cabeça, e cá bem dentro de mim, perto das entranhas que o alimentaram e lhe deram a Vida, a sua, tão breve, e contudo, com tanto significado - PASSAGEM! 


Martim…que sonho tão breve, tão maravilhoso que me foi tirado!


E (des)enganem-se os “Outros”, porque não escrevo para vocês: escrevo, em primeiro lugar, para o meu Filho do Céu, aquele Anjo de que o Universo precisava para contrabalançar esta merda toda, e que (in)felizmente foi o meu o Escolhido. 


Em segundo lugar escrevo para mim, para conseguir manter as curvas da linha da (in)sanidade, a que é necessária para que os “Outros” se sintam confortáveis em me manter no seu seio, sempre tão regrado pelas conveniências, pelos egoísmos dos vossos desabafos de meras “trivialidades”, que não são nada a comparar com o meu drama! Por muitas dores de cabeça que tenham, os vossos continuam cá. Se é melhor ou pior não me cabe julgar, mas pelo menos conseguem ouvir a sua voz, abraçar o seu corpo e rirem com o sorriso deles. 

Eu lembro-me do meu - embora tente todos os dias esquecer - num sofrimento atroz, numa agonia sem definição, ele, no auge da Vida, cheio de sonhos e de planos, e com um rosto imaculado! 

Sabem o que me persegue ainda hoje, dois anos depois? Não ter tido a coragem de lhe afagar as mãos, numa cobardia de mãe perante o corpo desfeito do filho. Sim, afaguei-lhe a testa, em doces carícias maternais, leves como a pena de um pássaro, com receio de magoar, ainda mais, aquele corpo martirizado. Aquele inocente que a incúria de um animal resolveu fazer vítima, e que lutou até ao fim. 

Beijei-lhe o cabelo, o rosto - já na altura gelado, numa antecipação da morte iminente - fiz-lhe o sinal da cruz e entreguei-o ao Universo, num grito inaudível porque emudecido por tanta dor, num desgosto terrivelmente antecipado, numa mágoa sem precedentes, numa aparvalhação perante o inconcebível e pedi a Deus que o levasse! Que o libertasse dessa agonia e o fizesse Anjo, concedendo-lhe assim, para além da Vida Eterna, a Imortalidade de quem salva os Outros!


E em terceiro escrevo para todos vocês, todos os que são como eu, que, de uma forma ou de outra, seja ela de doença ou de acidente, propositada- ou inusitadamente, se veem no mesmo lugar que o Universo me obrigou a ver. Nós precisamos de VOZ, de termos a coragem e a sabedoria de vomitarmos para o Mundo tudo aquilo que sentimos, para que finalmente a Sociedade aprenda e perceba que, felizmente que não sendo Lobbie - porque em número “reduzido” - somos os Pais de Filhos roubados, de sonhos desfeitos, de Vidas implodidas, transformadas em vidas, às quais procuramos dar o significado da maiùscula a cada dia que passa, mas que são tão raros, que em dois anos se contam pelos dedos de uma mão, e merecemos um tratamento e um respeito social que nos é mais do que  devido.


É um tema sensível? É! Mas é forçosamente também um tema social, que - (in)felizmente pelo seu reduzido número - não é político. Mas que deveria ser: A morte de um Filho é pior do que um cancro, porque não tem cura, nem esperança da mesma. Não existe nada depois disso, porque esse Filho não volta. Ele continua a viver dentro de nós, e que, para alguns felizardos e abençoados - nos quais me incluo -  se manfesta nas e das mais diversas formas, mas para a maioria é o buraco negro do Infinito da Saudade que e se abre e (n)os engole. 


Hoje, na simplicidade deste Campo que me acolheu há tantas Luas, o vizinho bateu-me à porta, para me vender aquele mel único, das abelhas da família, nestas trocas fabulosas que só o campo nos proporciona. Comprei muito mais do que precisava, para agilizar os trocos e honrar um Portugal que ainda teima em existir! E durante a conversa, que mais parecia Vasco Santana a negociar as bolachas Maria e as línguas de gato no “Páteo das Cantigas”, com um frasco de mel numa mão, e a outra a limpar as lágrimas dos olhos, me confessou:


“Também lá tenho uma Menina, que me foi roubada tinha dois aninhos”. 

E no olhar deste homem, bem mais velho do que eu e com várias décadas de Luto em cima, lê-se o mesmo Desgosto, a mesma raiva oferecida para colmatar o próprio sentimento, a mesma Mágoa e a mesma Paz que se lê no meu. O meu, onde tudo (d)escreve as Linhas da Saudade!


Meu Filho…é no Luto e pelo Luto que não podemos deixar de Escrever de de Sonhar a Esperança!


Mil beijos da sua Mãe que o adora,


Mami


P.S. 
"How cold
Empty the silence that we both know

Weeds ourgrown
we suffer in quiet from wasted storms.

(...)

My pain
Your home
I keep it buried here in my lungs
Our ghosts
So heavy

My skin
Your bones
One touch and you turn me
right into stone
I'll hold
Will you let me"

(o "nosso" DOTAN)

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Sem data (17.7.2024) - One Day plus... All or Nothing!





Meu adorado Filho,

Sabe quando se acaba de escrever um (ou o?) AQUELE texto perfeito, mas como se é estupidamente preguiçosa, numa presunção desmesurada, e se considera, que é mesmo em directo e sem filtros que se escreve e se descreve  um dia perfeito, e de repente, "e tudo a net levou?" O seu melhor texto, escrito na inspiração da descrição, esculpido na escultura de um dia que começou (im)perfeito, e que nessa perfeição aperfeiçoada atingiu o seu ocaso, nunca por acaso, num pôr-do-sol morno de um Verão épico? 

Sou tão burra que espelho a Alma em directo, numa confiança nunca guardada, mas (para) sempre aguardada, que me faz arriscar tudo (o que escrevo, sobre o que sinto), neste sentimento que é Saudade, mas agora também Alegria, numa Coragem nunca antes vista!

Tanto que tenho vivido, que poderia escrever um livro, uma história ÉPICA, sob fundo verde escuro, tal como as zonas mais profundas da Barragem, que contêm as águas choradas nas curvas e contracurvas do meu coração, enquanto se passa pela paisagem a cem à hora, sentados no lado do morto da Vida celebrada dentro de um Mazda, onde o Riso se sobrepõe à tristeza das lágrimas, mas a Saudade é chorada com a Honestidade genuína de quem celebra!

Filho...

...no silêncio da minha prece me recolho, num pedido remetido em confissão, a que ouso querer para mim, porque a vida é toda ela uma Metáfora, personificada na onomatopeia sussurrada numa gramática cujo léxico não faz sentido?

Martim...quase dois anos (menos uns dias), e nesse tempo sem Tempo no Céu, mas em contratempo na Terra, tanto mas tanto acontece(u)!

De quantas Figuras de Estilo se faz um Texto perfeito, esculpido na imperfeição da Existência?

Não sei!

Mil beijos da sua Mãe que o adora,

Mami



sexta-feira, 5 de julho de 2024

05.07.2024 - One Day plus 336...sobre a (V)ida compartimentada, crónica de uma morte anunciada, e do Tempo desfragmentado...food for thought!

 



Meu adorado Filho,

Nem sei por onde começar, talvez devesse ser este o meu (o nosso) livro! 

Daria um romance em - pelo menos - três tomos, ficaríamos ricos! Mas nem sei bem se seria esse o prólogo, porque o último diria algo assim: 

- " Há mil anos, tempo (in)temporal, onde o relógio não tem ponteiros, fui Mãe." 

E daí começaria a delinear um percurso, ora rastejando, ora dançando pelas memórias do meu cérebro, órgão que se tornou autónomo, num plano que engloba tanto a Terra, como o Céu (aquele que não pode esperar!), numa miríade, puzzle (in)completo, mal (d)escrito, de tudo o que fui e do Todo que sou!

 Martim...recordo como se fosse hoje a última vez que o estreitei contra mim, pele com pele, num Abraço que se adivinhava já Sonho! Meu Filho querido, tanta emoção que me assola, num casamento celebrado, festejado e vivido, com a sua presença, que já antecipo e adivinho entre nós! Vai ser ÉPICO, e dou por mim envolta na veleidade , vaidade celebrada e indevidamente vivida, na antecipação que sempre nos caracterizou na nossa ânsia de VIVER!

Meu Filho, do coração lhe agradeco o sorriso que me desenha no rosto cansado, mas sempre com os cantos para cima, porque é neste sorriso que sacrifico e sacrifiquei tanto, tanta emoção, tanto carinho, tanto Amor!

Com...Alegria...da sua Mãe que o ama hoje e sempre,

Mami

...too long ago, too far apart...20.7.2022 - Musings on retrospectives a dia 21.3.2025

  Meu adorado Filho, Não tenho transcrito os nosso diálogos, porque em duas ou três semanas, podem acontecer séculos de acontecimentos. Tant...