terça-feira, 27 de agosto de 2024

27.8.2024 - One Day plus 389 - Amanhã vem o Sérgio pôr as portas da cozinha, ontem chorei de saudades suas até às três da manhã, hoje foi um dia BOM! (757!)

 



Meu adorado Filho,

Tantas pequenas, e conquanto enormes coisas formam o Tempo, que me pasmo a cada dia que passa.

Converso consigo vinte quatro horas por dia, vezes sessenta minutos, vezes tantos nanossegundos, que lhes perco a conta. Perco-me em tudo o que lhe sussurro, sobretudo quando mergulho nas águas mornas da Barragem, e oiço as cigarras a contar-me as suas histórias, num "cri-cri" que ecoa pelo campo, para se vir silenciar no colo calado do meu regaço emudecido pela saudade, enquanto o meu olhar repousa sobre o local onde empunhando gloriosamente um guarda-sol azul, porque nos tínhamos esquecido da base, e havia que proteger a sua Oma dos raios ultravioletas, você mirava as águas tépidas de Castelo de Bode e conversávamos. 

Olhei hoje de frente esses metros quadrados e recordei esse verão. A Foxie ainda era viva. O Mundo era diferente nesse tempo, que eu pensava intemporal. Foram tempos diferentes, felizes, mas diametralmente opostos. 

E nestes anos que medeiam esses tempos, Tempos ou temporadas, decidi que seria em dois mil e vinte e quatro que iria mudar as portas da cozinha. Desde Abril que andamos nisto, e amanhã - finalmente - vem o Sérgio. Já nem me lembro bem da cor que escolhi, sei que era um branco marfim, a atirar para o pérola claro, assim numa tonalidade que se parece com clara de ovo, a fazer "pendant" com os azulejos da cozinha. Amanhã, ou melhor, daqui a umas horas, vou ver como fica. Estou curiosa. Já perdi a "ansiedade", essa já nem sei o que significa, depois da viagem que fiz envolta numa prece para que o visse ainda com uma réstia de vida (humana), e o Universo concedeu-me essa Graça, como tal, estou - apenas - curiosa. 

Ontem chorei como há muitos meses não o fazia. Não sei porquê, mas abri as torrentes do meu coração, as comportas da minha emoção, na barragem que é o meu quotidiano, e dei largas ao oceano de sal que me invadiu, deixando fluir. E nesse naufrágio, nessa tempestade perfeita, uns (a)braços fortes me enlaçaram e comigo choraram a dor da falta, esse abismo sem fim, onde nunca se alcança o chão, porque infelizmente ele não existe, e nos vemos mergulhados numa apneia que nos rouba o fôlego. E foi nesse(s) (a)braço(s) que me afoguei.

Martim...tenho-lhe escrito não apenas aqui, mas também por "aí", porque a forma como converso consigo é sempre a mesma, é a linguagem do coração. Nestes últimos dias tenho sentido a sua falta de uma forma incrivelmente formidável na sua magnitude, algo de transcendente na sua intensidade, que - uma vez mais - me rasga as entranhas. Não sei se é porque finalmente posso sonhar, ou porque me sinta a viver de novo, se seja por ver as minhas preces atendidas, conquanto por outro lado, o Universo me mande uns sinais de dor, seja porque razão for, sinto a sua falta com a mesma saudade como há dois anos e vinte e cinco dias atrás, SETECENTOS E CINQUENTA E SETE DIAS de conversas constantes, de tantos, mas tantos soluços partilhados, daqueles mesmo guturais como só uma Mãe pode arfar, na maior dor que se pode imaginar, que lhes perdi a conta! Mas também de sorrisos, porque há tanto para fazer aqui, e depois do sofrimento atroz, essa mesma vida decidiu - finalmente - ser meiga, numa carícia suave, num repouso merecido, num descanso de Alma extenuada, exausta, exaurida de tanto sofrer. 

Na Paz do dia de hoje, ou de ontem, porque já é de madrugada, uma borboleta branca brincou diante do meu olhar, pousado na suavidade do verde alagado da paisagem. E os meus pensamentos voaram para aquele dia de Verão, e para o Inverno que se seguiu, e para mais um Verão, e para mais um Inverno e para mais um Verão. E nesse Verão pararam porque a minha vida se desfragmentou. E foi desses cacos, desses estilhaços, que decidi que iria tentar formar alguma coisa que contivesse vida. E é nos braços dessa decisão que repouso os meus soluços e encontro alguma da Paz que tanto preciso!

Mil beijos meu Filho, da sua Mãe que o adora,

Mami!


sábado, 10 de agosto de 2024

10.08.2024 - One Day plus 372 - quando começamos a perder a conta aos dias...(739 dias depois!)

 




Meu adorado Martim,


Uma Mãe nunca perde a conta aos dias, porque contar os dias (de Saudade) faz parte de um coração de Mãe em perpétuo desgosto. Mas quando reparamos que já temos que fazer algumas contas, entendemos que essa contabilidade tem um grande significado. Quer dizer que começamos a integrar o Luto. O Luto mais cruel que alguma vez se pode vivenciar.

Integrar o Luto não é fácil, porque representa a aceitação de uma aberração da realidade, transportando-nos para um Mundo transtornado, espiral de pensamentos magoados por emoções defraudadas, e perdidos nessa dor, o que queremos é negá-la, como se ela não existisse. Ou como se ela tivesse ficado no passado. Ou nunca tivesse existido. Na loucura do que foi tudo por que passei, cheguei a questionar se seria mesmo sua Mãe ou tudo não tivesse passado de um sonho. Percebi, e corroborei com os dois Anjos que me seguem, Fátima, como a Nossa Senhora, e Ana (Carolina) como eu, que também isso faz parte do processo de integração da aberração.  Penso que ao transpormo-nos para o presente, aceitando essa mesma dor como parte do nosso quotidiano, mas falando sempre abertamente sobre ela, conseguimos que ela comece a parecer uma parte de nós. E ao ser uma parte de nós, é como se ela tivesse sempre existido nesta nova vida. O tempo ganha toda uma nova dimensão. 

É um dos temas que gostava de debater com outros pais órfãos de filhos: se de repente o tempo tivesse um Tempo muito próprio, como se tivéssemos vividos várias vidas. Quando me olho ao espelho, quando passeio pelo campo ou discuto os meus ideais, quando faço planos de decoração interior, quando sonho, quando projecto, sinto-me como se tivesse quarenta anos. Quando penso na sua morte, e nos últimos dois anos e em tudo o que (me) aconteceu, sinto-me Matusalém. Tenho mil anos em cima, e muitas, muitas vidas. Mas tive (ou tenho?) a sorte de ser feliz, neste meu novo conceito de Felicidade. Depois de perdermos um filho, cada dia em que não choramos é um fenómeno, e cada dia em que temos a sorte de poder fazer planos para o futuro, é um milagre, porque somente os afectos sem limites nos conseguem, de alguma forma, sarar, e esses são raros. Ou se calhar estão guardados para aqueles que aprendem a muito custo que é na Alegria de um por do sol que se encontra a Felicidade quando mais nada nos resta para nos manter à tona no oceano das emoções roubadas, e a partir daí, dá-se a epifania, ou a soma do Todo, e esbarramos com "happenings" que nos alteram para sempre a Vida, e agora pela positiva! O Tempo ganha um novo fôlego intemporal, quando vivemos em dois meses mais do que em duas décadas, e cada dia, em Paz! 80 dias dão para muita coisa. Até para a Volta ao Mundo...e não me refiro apenas à obra de Júlio Verne. Voltar ao Mundo significa querer viver. E querer viver é, para quem perdeu um filho, integrar o Luto. 

Será isso uma dissociação de personalidade, numa vã tentativa de alguma coisa? Não sei, mas não me parece. Parece-me que significa que começamos a interiorizar. E a integrar. E de alguma forma inexplicável, abraçamos a Vida de novo. É "uncharted territory" que pisamos, vivemos entre o "trial & error" e o "gut feeling". Mas se vivermos sem medo, cada dia com o coração nas mãos e Fé no Universo, dando Graças pelo que a Vida nos dá, percebemos que tivemos sorte. Por conseguir essa integração. Por termos pessoas maravilhosas a cruzarem o nosso tempo e espaço. Por finalmente conseguirmos viver em paz, deixando que a Paz se instale no nosso coração!

Estamos vivos...pelos (nossos) Vivos, enquanto carregamos os nossos Mortos para sempre em cada batimento do nosso coração!

(e escrevemos, pela primeira vez, a palavra com maiúscula!)

Mil beijos da sua Mãe que o adora,

Mami


segunda-feira, 5 de agosto de 2024

05.08.2024 - One Day plus 367 (um ano bissexto mais aquele dia roubado à Eternidade...) ON GOLDEN POND!





- "Mimi trazes-me a mantinha?"

- "Claro Bé, aconchega-te à suavidade da lã, nos retalhos costurados nos remendos das nossas Vidas, não te quero com frio neste calor estival!" - Bababu, não dramatizes. Estamos velhos! Querias o quê?" - "Nada! Estava Mendiga, vazia, ferida, e sobretudo, magoada. As nódoas negras da Alma, sabes?(...e agora estou a suar nestes trinta e sete graus Celsius!)" - "Acho que sim, também trago algumas..." - "Bé?" - "Sim Bababu?" - "És LEVEZA!"

domingo, 4 de agosto de 2024

03.08.2024 - One Day plus two (too long) years e três casamentos depois!

 



Meu adorado Filho,


Se "amanhã é longe demais", ontem foi doloroso demais, e, contudo, tão doce e gratificante sob todos os aspectos! Ontem revivi todos os minutos de angústia, de tristeza e de despedida que aconteceram há dois anos. A minha memória vagueou por entre labirintos terríveis de recordações que procuro esquecer, enquanto faço um esforço hercúleo por não as reviver.

Mas não estive só! Visitar o jazigo com "alguém" que me seca as lágrimas, e encerra em si a compreensão da minha dor e do meu sofrimento, num abraço que me envolve e apazigua, num entendimento e comunhão plenos da minha essência e num respeito pela minha Saudade, foi gratificante, tal como entrar na igreja onde fiz a Primeira Comunhão e o Crisma o foi, como o foi ter tantos amigos e também a família presentes. Filho, foi tão bom (re)encontrar alguns dos meus, nossos Épicos, bem como Amigos, assim como poder ler a Primeira Leitura.

Este ramo, que repousa sobre a Pomba do seu Altar, foi feito pela Tia Paula. Tem uma medalhinha presa, numa fita verde de veludo suave como a Esperança! Uma prece, uma oração, uma ode à Vida, que ela me deu ontem, enquanto me estreitava num enorme xi coração. Foi bom Tim...

...está a ser bom Tim; aprender que, quando entendemos e interiorizamos de que nada é nosso, o Nada perde toda a sua importância perante o Tudo, aquele que nos embala numa história de encantar, como as que o Pai e eu lhe liamos enquanto criança.

Ontem foi duro para caraças Tim! Muito muito duro! Acho que em trezentos e sessenta e cinco, mais um nos anos bissextos, é o PIOR dia. Aquele que pedimos todos os dias para nunca viver. Mas que a alguns de nós o Universo escolheu, porque nos quis dar o privilégio de sermos pais de Anjos. 

Sabe o que me disseram há uns dias Tim? Só me apeteceu fugir...

- "O tema é pesado, e as pessoas não querem ler sobre isso!" 

Mas o que é isto? Será o Luto alguma vez leve? NÃO! O Luto pesa toneladas, quilos e quilos, que nos aniquilam, numa balança sem fiel, porque para sempre injusta! E quem não está connosco neste desgosto, nunca esteve nem estará! Quem não que ler, é livre nas suas escolhas!

Mas é possível encontrar, nesse mesmo Luto, a suavidade da LEVEZA! 

A LEVEZA está em aceitar os SERES especiais (ou será espaciais, porque - de alguma forma - divinos?) que nos atropelam nas curvas da vida, e nos embalam, enquanto nos (e)levam num vôo rasado, "Highway to a Danger Zone", com Tom Cruise aos comandos de um caça, como às águias que pairam no horizonte deste Campo que eu amo? Filho...

Sobre três casamentos poderia eu escrever um romance, de Cinderelas e Príncipes, e nesses casamentos, ver reflectida a minha história recente...tão inverosímil como mágica.

Dois meses e uns dias dessa história, dois anos e uns dias deste drama, aqui estamos a celebrar a Alegria. De quê? Não sei. Talvez de muitas coisas, grandes e pequenas, abraços sentidos e partilhados  em tréguas celebradas entre famílias divididas, mas unidas pelo Mágico!

Esta casa tem Magia: uma Energia única, encantada, enfeitiçada por uma Fonte Férrea, onde levo a beber aqueles que amo, ou quero amar, que pretendo fixar aqui, neste lugar, neste momento, neste agora, no presente, dádiva deste dia, depois de um ontem tão desafiante?

Tim...

...fiz Chutney de tomate, deu "apenas" dois míseros frascos, depois de três horas ao lume!

Adoro-te meu Amor!

Mil beijos estivais,

Mami




...too long ago, too far apart...20.7.2022 - Musings on retrospectives a dia 21.3.2025

  Meu adorado Filho, Não tenho transcrito os nosso diálogos, porque em duas ou três semanas, podem acontecer séculos de acontecimentos. Tant...