sexta-feira, 25 de agosto de 2023

25.8.2023 - One Day plus 23 - Aquele nosso Santuário

 



Meu adorado Martim,


Tenho tido tantas coisas para lhe contar, que nem sei por onde começar esta carta. Vou simplesmente escrever, ou seja, deixar que os meus dedos dominem o teclado, para ver onde me leva a escrita, ou a saudade. Ou ambas. Ou o meu Amor por si!

Apaziguamento é o que se passa depois de um ano. Aceitação de uma partida, tão dolorosa quão pungente, mas a vida continua, nem que seja em vislumbres de episódios...mas estou a ser injusta. A vida continua ao seu ritmo, neste borbulhar do quotidiano, neste passar das horas, neste Verão que começa a cheirar a Outono, num passar dos dias, cada um com a sua característica.

Nós, bem, nós continuamos a manter aquele nosso espaço secreto, onde somos unos, onde comunicamos para além do tempo e do espaço, mas consigo sem "cá" estar. A sua falta acabrunha-me, entristece-me, conquanto me alegre o facto de estar tão, mas tão aí em cima, no reino dos Eleitos. Sinto-o muito longe, finalmente em paz, e agradeço-lhe a sua permanência, a sua força, aquela que me transmitiu ao longo do Inverno mais frio e mais escuro da minha vida.

Em sua honra, em nome do seu sacrifício em pairar entre estes dois Mundos, decidi que ou era vítima, ou heroína, e, confesso, optei pela segunda forma, quanto mais não seja, para honrar a sua memória, o seu legado.

Todas as noites acendo o seu Altar, e todas as noites, sei que está cá, menos, muito menos, mas está em paz. 

Ontem fui à Doutora Ana Carolina explicar-lhe a minha estratégia, o meu projecto. Uma vez mais agradeço aos Céus, e a si, sobretudo, ter mandado este Anjo em forma de médica, cruzar o meu caminho. Tinha uma T-Shirt de Van Gogh e apeteceu-me imenso perguntar-lhe, se tinha estado em Paris. Mas, claro, não tive coragem. Ela é a minha médica, conquanto, um dia, quando estiver melhor da minha cabeça, faça questão de falar com ela fora deste contexto. Nem que demore dez anos. É a ela que devo a minha sobrevivência, uma pessoa com uma Luz imaculada, que se reflecte no seu coração. Adoro esta médica, uma pessoa que me compreende sem me exigir NADA!

Em Outubro vou recomeçar Filho. Estou borrada de medo, a minha cabeça é uma cabeça doente, alterada, mas mesmo assim, com a garra que sempre tentei imbuir em si, e que agora me é retornada, vou tentar. Agora que o meu coração está mais apaziguado, ou menos em tumulto, agora que percebo que nada o irá trazer em forma física de volta, quero honrar o seu espírito, a sua memória, o seu legado (de Amor!)!

O Mano começou hoje a viagem. Levou o meu boguinhas e já sei que vão ser dezasseis dias de preocupação, mas também sei que ele vai estar bem. Da mesma forma que pressenti a sua desgraça, pressinto a bonança dele. Não me é fácil, mas é necessário. 

Meu Filho, meu Amor, tantas coisas aconteceram entretanto...

...Diga ao avô Freddy que lhe perdoo a traição, que entendo, muito embora doa como o raio, mas, lá está, só sobrevive quem deixa apenas o Amor entrar. É isso que tento fazer, todos os dias desta minha nova existência. Não vale a pena deixar entrar mais nada. Só AMOR! E gratidão. Por si meu Amor, pelo privilégio de o ter dado a este Mundo, a este Universo que tão depressa mo roubou, e me mostrou que isto não é nada mais do que uma passagem!

Tenho TANTAS saudades suas! 

Há alguns anos, por esta altura, estávamos a grelhar peixinho no Algarve, depois de uns mergulhos merecidos na piscina, consigo a molhar a Oma com cambalhotas e saltos. Uns poucos anos mais tarde, na Madeira, boiando no oceano repleto de peixes e de sal. Que férias meu Amor, que férias. Há alguns anos que não as tenho, vicissitudes de quem vive no campo, mas que saudades me fazem!

Martim...cada vez que pronuncio o seu nome, baixinho, tão baixinho para que ninguém nos ouça, lembro-me de tanto, de tanto, mas de tanto, que me afoga na emoção do meu coração. De tantas noites de cumplicidade, e dias de partilha, de tantas memórias que vivi noutra vida, que se foi. Martim...

Meu Filho, meu Amor. Estou cá! E nesta existência imposta, nesta saudade imensa, neste hiato de tempo que NOS medeia, neste patamar sem escada, existe um espaço secreto, um lugar "AQUI DENTRO", um esconderijo, um Santuário, onde eu choro baixinho à sua espera, e sorrio, quando nos (re)encontramos.

Filho...

Meu Filho, meu Amor, minha Vida...

é AQUI!

Mil beijos da sua Mãe que o relembra a todos os instantes,

Mami


2 comentários:

  1. Ana, só o Amor importa mas a maioria ainda não entendeu.❤️

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  2. Sem dúvida. Sem qualquer dúvida. E só esse Amor nos pode salvar!

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