quarta-feira, 26 de julho de 2023

25.7.2023 - One Day minus 349 - Este país não é para fracos, nem para desistentes, e ainda menos, para Pais cujos filhos foram mortos pela negligência de outros

 



Meu adorado Martim,

Estou viva. Oh se estou! Hoje mais do que nunca, pela primeira vez em 359 dias. A palavra é EMPOWERMENT e a ideia é: a Justiça! Não vivemos num país normal. Nem nada que se pareça. Vou tentar resumir-lhe, e escrevo-lhe isto com as entranhas revoltas, o que por um lado é péssimo, por outro, excelente, pois mostra que ainda resta uma réstia de vida em mim!

Mas vamos por partes. Neste maravilhoso país onde vivo e pago os meus impostos, passado quase um ano, o relatório macabro da sua "autópsia" ainda não está disponível. Continua em segredo de justiça, muito embora já tenhamos pedido (e pago, claro!) a sua cópia. Disto se deduz que todas as burocracias, um ano depois da sua partida, continuam por resolver. Ou seja, este país é para perseverantes, para aqueles que conseguem, apesar da sua dor e do seu sofrimento, continuar a lutar por justiça, essa palavra mágica, que não faz parte do dicionário da novilíngua "Tuga". Neste país, a coragem é para os malfeitores, ladrões e outro demais, verdadeiros heróis perante os novos valores com que esta porcaria de sociedade se rege. Continuamos na estaca zero, porque sem relatório detalhado do seu sofrimento, nada se vai conseguir.

É também neste país maravilhoso, onde quem nos mata um filho inocente, por incúria, continua à solta, que nós, os pais, somos os criminosos, os preguiçosos, aqueles que se escondem debaixo da capa da baixa médica, porque, infelizmente, a nossa cabeça não funciona como é esperado e não conseguimos exercer a nossa profissão. E assim sendo, já sei que, apesar dos especialistas da psiquiatria do SNS não me considerarem apta a trabalhar, cabe aos "decisores" da comissão de avaliação de incapacidades, a última palavra sobre isso. Ou seja, nem sequer se dignam a ler os relatórios, basta acharem que um ano é o suficiente, ou não irem com a minha cara, para me porem na boca do lobo. Fantástico! Portanto eu, que estou mentalmente mutilada, mais tarde ou mais cedo, e provavelmente muito mais cedo, vou ter de dar o cérebro ao manifesto seja lá como for, que isso não é problema deles, porque eles "acham", do verbo achar, o que é sinónimo de que as leis só se aplicam aos criminosos e aos burlões - os verdadeiros heróis de Portugal - que um ano é mais do que suficiente para vivermos às custas do Estado. Talvez quando for despedida com justa causa por fazer um erro dramático, e me ver forçada a pedir esmola à porta da igreja, talvez nessa altura eu decida ir às Tardes da Júlia e fazer chorar alguns milhares de Portugueses e com isso, consiga um Lobby. Talvez seja nessa altura que eu faça com que a Vox Populi se manifeste, porque até aqui, somos condenados ao absurdo das leis que nos regem. Ou seja: muito embora os especialistas considerem que a minha cabeça está lesionada, os decisores, se acharem o contrário - e já me ameaçaram que o iam fazer - põem-me a trabalhar, e se fizer asneira, o problema é meu! Portanto, a treta da lei que diz que podemos estar mil e não sei quantos dias de baixa, não se aplica, se os "decisores" considerarem o contrário. Acredito que neste país é preciso estar moribundo, para nos darem aquilo a que temos direito! O que é inteligente, porque quando o fizerem, já passámos para o outro lado, e sempre se poupam uns Euros ao Estado. 

Entregue o seu IRS, e passados longos meses após a sua morte, o ressarcimento do que você pagou a mais, veio em cheque em seu nome. Que ironia macabra! Ou seja, as Finanças, que sabem que você morreu há quase um ano, emitem o cheque em seu nome, porque constatam que, devido à sua morte, a sua conta foi encerrada. Em qualquer banco do Mundo, com a habilitação de herdeiros, podemos movimentar as contas, mas não em Portugal. Aqui, temos de esperar sessenta dias, para que o cheque emitido em seu nome caduque, para pedirmos outro em nome do seu Pai, Cabeça de Casal, que irá demorar outro tanto a ser emitido, para sermos ressarcidos daquilo que você pagou e a que tem direito. VIVA o Estado português e o que faz aos pais de filhos que morreram! Que compreensão, que comiseração para com o infortúnio dos contribuintes. Roubem milhões, que são heróis, peçam aquilo a que têm direito, de um Filho assassinado, que esperem, porque, quem espera, sempre alcança! Tão bom o país em que vivemos!

Mas isto não é tudo! No domingo rebentou o esgoto do prédio do qual arrendo a garagem, onde guardo os móveis, livros, e tantas outras recordações que não cabem cá em casa. Fui alertada por uma pessoa que, dado a água com cheiro nauseabundo que saia da garagem, me ligou.  Andámos todos, com trinta e dois graus, de galochas, literalmente a limpar MERDA com altura de dez centímetros. Falei para o Senhorio e sabe o que me disse?

- "Minha Senhora, isso não é comigo, vá bater às portas dos inquilinos e dos proprietários e eles que resolvam o problema, e se não resolverem, vá à Câmara!"

Perdi as estribeiras, e passei-me dos carretos. Fui malcriada e fiz o que neste país os reles fazem: chamei a polícia, as águas e a Câmara. Não queriam acreditar no que viam, uma torrente de esgoto a sair pelo cano do tecto da garagem, onde nem sequer tenho água! E vou fazer o que aqueles que se safam sempre fazem: não vou pagar a renda, até ser ressarcida do prejuízo. Não lhe vou descrever o que saiu daquele esgoto, nem do que tive de deitar fora, para não chorar de raiva, tenho os vídeos e as fotografias que documentam mais do que bem, que nem só na Índia, ou nos países do terceiro Mundo, acontecem coisas destas, verdadeiros atentados à salubridade pública! 

Em suma, meu Filho, é isto a luta de quem luta por "encerrar" burocraticamente a morte inusitada de um inocente, mas que, aos olhos da "sociedade" é uma criminosa preguiçosa, que tenta (sobre)viver às custas do Estado.

Só me apetece partir coisas, viver na anarquia, porque neste país, só esses é que se safam!

Mas no meio disto tudo, consegui, desde ontem, comer como deve de ser. Claro que isto se deve ao anjo que me ajuda, à Dra. Carolina, a pessoa que me entende e me acompanha...mas que, ela também, não faz milagres!

Talvez você consiga fazer alguns?

Estou viva meu Amor, quanto mais não seja, pela raiva que hoje habita em mim!

Mil beijos da sua Mãe que o adora, mas que nasceu no país errado,

Mami! 



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