terça-feira, 4 de julho de 2023

4.7.2023 - One Day minus 338 - "The Show must go on" ou "Eu moro, num país tropical" (ou será surreal?)

 



Meu adorado Filho,


Tenho tanto para lhe dizer…

E nem sei como começar, porque eu não tenho uma boa notícia há muitas, muitas luas.

Ontem foi mais um dia muito mau. Muito mau. Foi um dia de raiva pela burocracia e injustiça deste miserável país, em que não só nos matam o Filho e nos destroem por dentro, aniquilando toda a nossa vida anterior, fazendo de nós eternos enfermos moribundos, como também nos estipulam tectos máximos para as despesas de quem perdeu um filho, e só lhe quer prestar uma última homenagem, num estado mental totalmente incapaz, mas num esforço hercúleo para estar presente, numa presença sem fim! E “estou” presa, nesta raiva e nesta revolta que me corroem!


 E…enfim Filho, não quero sentir isto. 


Quero continuar a sentir nas minhas entranhas, tudo o que tenho vindo a sentir nestes meses de saudade, porque está certo. É como se o Universo falasse comigo através de sinais, ou melhor, de premonições, e todas as que tenho tido, acabam por acontecer! E sentindo, falo de sentimentos! Tanto “sentir” fez-me pensar que sinto demasiadas figuras de estilo, numa sensação constante de saudade (IMENSA!)



Entretanto, e como andamos em maré de compreensão e de humanidade, fui a mais uma Junta Médica. E como o universo acha que eu ainda não apanhei o suficiente, quem me calhou foram os dois fantásticos médicos, porque, enfim, ou alteraria o adjectivo, ou o substantivo - leia-se profissão - dos ditos, que, um mês e meio depois da sua partida, me disseram, (sic) “está na altura de retomar o trabalho, de se distrair, e de voltar de novo a ser um contributo para a Sociedade!” 

Bom, então foi teatro do Absurdo, Ionesco no seu melhor. Não vou transcrever aqui o diálogo, até porque vou ter que falar com a Doutora Ana Carolina sobre isso, e não o quero perturbar ainda mais no seu descanso meu Filho querido! Mas acabou comigo a dizer isto:


- “O Sr. Dr. (e confesso, que, o que me apetecia ter dito, era algo como: “Oh meu Anormal”) não acha que eu preferia estar a trabalhar, sentir-me um ser humano, em vez de um farrapo, e ter o meu Filho mais velho vivo?”

Mas que culpa tenho eu de não conseguir recuperar a minha memória, ou a minha concentração? Quem me conhece, sabe que uma das coisas que mais gostava de fazer na vida, era ler. Ninguém imagina o que me custa não o conseguir. Ninguém sonha a esquizofrenia que coexiste na minha cabeça, porque não reconheço em quem me tornei! Porque, aos cinquenta e seis anos, quase sete, nasci no mesmo corpo, mas numa cabeça de uma desconhecida!

E querem que EU me sinta um parasita da sociedade, já que não consigo exercer a minha profissão, porque alguém se lembrou, num maldito dia de verão do ano passado, de não parar num sinal, e de me matar o meu Filho? Então EU sou culpada, é isso? Uma preguiçosa, que decidiu, ao fim de trinta e muitos anos de descontos, arranjar um “pretexto” para deixar de trabalhar?

É isto Filho! É este o Mundo em que (sobre)vivemos! É esta a herança (con)descendente da Humanidade!

Concordo que se proteja a Natalidade, e os pais que dão à luz, contribuindo para a sociedade, ou, soit disant, para a sua sustentabilidade, mas também deveria haver alguma compreensão - já para não referir apoio - para aqueles que fizeram isso mesmo, mas cujos Filhos lhes foram ROUBADOS!

E, contudo, esses não são - FELIZMENTE - em número suficiente para fazerem um Lobby, mas não deveria ser necessário!


Um beijo enorme da sua Mãe que o adora,


Mami

P.S. Meu Filho, não lhe escrevi no dia dois de Julho porque, simplesmente, não consegui. As lágrimas não deixaram, mas você, meu Amor, você lê o meu coração!

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