sexta-feira, 20 de outubro de 2023

20.10.2023 - One Day plus 78 - Dois dias depois...a Coruja...GRATIDÃO, ai chega aí a minha agulha, 18.10. revisitado, hoje e sempre!

 


Filho do meu coração,

Há vários dias que ando para lhe escrever, Você sabe, "antes" e "depois" de dia dezoito, mas confesso, faltou-me a coragem e também o tempo, por mais incrível que pareça. E não sei bem por onde começar, de tanto e do Tanto que me invade.

Filho...a cada dia que passa, conheço melhor esta nova pessoa que sobreviveu (ou foi obrigada a), dentro de mim, e espanto-me em começar a conseguir conviver com uma desconhecida. O meu velho eu questiona-se, cada vez menos, se enlouqueci, o meu novo eu abraça essa loucura de uma Vida revivida, ou melhor, reencarnada, sem grandes questões. "Bem-aventurados os Pobres de Espírito, porque será deles o Reino dos Céus". Bom, o Céu já é meu, porque guarda nele uma das minhas metades, a pobreza de espírito reside hoje no meu novo eu, porque é muito mais fácil não fazer perguntas, e simplesmente aceitar.

O sofrimento (e)leva-nos a um estado - que aos poucos se vai tornando permanente - de desprendimento do terreno, e com isso, possibilita-nos um pairar acima das questiúnculas de sobrevivência que - com raras excepções - infelizmente assolam a condição humana.

Mas vamos ao que interessa.

...Filho...não tenho palavras. Não tenho. Não há NADA, nenhum presente terreno melhor que o que recebi no dia dos meus cinquenta e sete anos. Martim, não tenho palavras para agradecer. Acredito que agora que subiu para tão alto, não lhe seja fácil descer a este plano, mas eu sempre fui, e continuo a ser abençoada. Você veio cá dar-me um beijo, através da Coruja que cantou. E eu ouvi. Foram apenas breves instantes, alguns dos minutos mais felizes da minha nova existência, ou melhor, sobrevivência.

Se me perguntarem quais os momentos mais gratificantes da minha Vida, agora vida, tenho três. Estou a falar nos momentos em que me senti mesmo um Ser Humano especial, que nada têm a ver com acontecimentos fulcrais, tais como como o nascimentos dos filhos, etc.

O primeiro era eu uma catraia rechonchuda e sardenta, guardando em mim uma permanente e triste saudade, porque a Oma estava sempre a trabalhar em Chicago, nas feiras de turismo, nos meus anos. Mas nesse aniversário abençoado, chuvoso e húmido, na Rosa Araújo 49B, terceiro, ela apareceu por detrás do biombo beije, com motivos chineses pintados a preto, e tinha os braços abertos num carinho enorme, onde me afundei. Ter a minha mãe comigo no dia dezoito de Outubro desse ano, do qual já não me recordo bem do número, foi um momento que ainda hoje revivo, porque gravado na minha memória a tinta indelével do Amor, a Felicidade que senti e que ainda hoje me acompanha durante as intempéries da minh existência.

O outro foi em Alfragide. Era o dia dos meus anos, e estávamos na cantina do rés do chão, a beber um café para começar o dia. Estávamos vários, o Trio Odemira do costume, a miúda do nome da Flor espinhosa, e mais alguns que não vale a pena relembrar, porque não relevantes. Olhei pela janela e tive uma miragem. Lembro-me - ainda hoje - de olhar para o meu Manito e de lhe dizer:

- "Credo, aquele miúdo, de mochila às costas, parece-me tanto o Martim! Quem me dera que ele hoje não estivesse em Barcelona, mas sim aqui, comigo!"

Alguns minutos depois chamam-me à recepção e vejo os seus braços, envoltos no tecido suave de uma camisa de ganga azul escura, escancarados para me receberem, num mergulho de apneia da minha emoção, numa fusão total, completa e atómica, no e do Amor que sempre nos uniu. Atirei-me para esse abraço na incredulidade de uma Mãe, a quem é concedido o privilégio de abraçar o seu primogénito no dia do seu aniversário, afogando a saudade de meses de separação.

O terceiro momento foi agora, há dois dias, no dia dezoito de Outubro de dois mil e vinte e três. Senti uma falta IMENSA do seu irmão, mas no altruísmo de uma Mãe, que só quer a felicidade dos Filhos, disse-lhe para não vir. Ele precisa de VIVER, de sorrir, e não tem culpa que, na impaciência acelerada que herdou de mim, tenha tido tanta pressa em nascer, que o decidiu fazer no meu dia de anos, o melhor presente que o Universo alguma vez me deu. E o nosso dia, no ano passado, foi tão, mas tão, mas tão triste, que achei que seria melhor este ano, eu abdicar da presença dele, para que ele pudesse estar com os seus Amigos, com Alegria, com a garra de que precisa para enfrentar as agruras deste Mundo. E neste meu sacrifício tão terreno, o Céu trouxe-me o seu canto, minha jovem e adorada Coruja, que desde a Primavera não piava para mim! GRATIDÃO meu Filho!

Esse seu breve canto, conversa injusta e prematuramente (in)acabada, soube-me a Vida. E no milagre dessa maiúscula que foi, em tempos, uma vida consentida, mais uma sutura foi dada, no sentido de um sarar de uma ferida permanente e eternamente aberta!

Ao mesmo tempo, o Universo tem-me ajudado nesta minha nova sobrevivência. As Dianas têm espalhado - e espelhado - o nosso Amor por muitas famílias, levando nas suas entranhas, o ADN do meu Amor universal por si, meu Filho, e por todas essas crianças, uma das quais ou todas elas, poderia(m) ter sido sua(s), e com isso, tão minha(s). E é nessa dádiva, numa verdadeira dádiva de Amor de que, donde menos se espera, vou poder comprar a nova máquina de costura "Overlock", para poder dar asas à minha imaginação do "ai chega chega, chega aí, aí a minha agulha, afasta, fasta, afasta aí o meu dedal"...

Martim...passaram mil anos. Mil e uma reincarnações, mil e uma sobrevivências. Um oceano de lágrimas, numa vastidão imensurável no infinito de uma Saudade, que nem a si própria se consegue definir; perdi tantos Amigos, e ganhei tantos outros mais. Como a tia Isabel, uma mãe que faz nascer, todos os dias, dentro de si, um colo que não quis dar frutos terrenos, mas que, na plenitude da sua generosidade, encerra em si o poder de me abraçar ontem, hoje, e todos os dias que eu precisar, eu e milhões de outros filhos que ela não teve aqui, neste plano, mas que tem algures no Universo. Ela que foi a Primeira que me leu e que me disse para continuar. Porque o meu sofrimento tinha que ter um significado Maior, aquilo que sinto desde o dia dois de Agosto de dois mil e vinte e dois. Ou como o da Helena, que, tal como eu, é uma privilegiada, porque recebe sinais. E os sinais são tão importantes! Mãe Coragem, Mãe sofrimento, Mãe que chora, todos os dias, como eu.

Mas o meu choro é apaziguado. Fui, sou, e continuarei a ser abençoada: pelo Filho que tive, pela Doutora Fátima e pela Doutora Ana Carolina que me acompanham nesta caminhada do luto, pela Coragem que me invade, através dos meus Filhos, que todos os dias me inspiram! O da Terra, e o do Céu! Pela Força que nasce de umas cinzas de um Ser implodido, a quem não restou mais nada do que se reinventar, porque o Universo me incumbiu de uma tarefa hercúlea. Na nossa, sua (breve) e minha (tão longa) Vida, nunca nada foi fácil. Foi sempre tudo arrancado a ferros. Mas também nunca nos faltou o essencial.

Martim...como descrever esta Caminhada? Uma insanidade disfarçada pelo mínimo socialmente exigido, por quem me acompanha nas mais variadas formas das vivências do quotidiano? O expectável pelos Outros, que nós, Seres que pairamos no limbo, seja aqui, seja aí, temos que respeitar, porque é demasiado para a maioria compreender?

Filho...

OBRIGADA! Pelo canto, pela visita, pela mensagem, por me fazer sentir, ontem, hoje, amanhã e todos os dias, que só assim vale a pena, nesta simbiótica dicotomia emocional, traduzida numa tentativa racional, de irracionalmente analisar os sentimentos.

Martim...

"The sound of the wind is whispering in your head, can you feel it coming back? Through the wamrth, through the cold, keep running till we´re there. We're coming home now, we're coming home...

I AM HOME!

Mil beijos da sua Mãe que o adora,

Mami

P.S. Amanhã somos 26 Épicos, geração irmão mais novo, aqui em casa!


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