domingo, 19 de novembro de 2023

19.11.2023 - One Day plus 108 - Nas Asas do Infinito! ("Aujourd'hui plus qu'hier et bien moins que demain")

 



Martim, meu adorado Filho,

Nem sei por onde começar. Em primeiro lugar quero pedir-lhe desculpa, por ainda não ter transcrito as nossas últimas conversas. Mas também foram tantas, mas tantas, que não teria humanamente tempo para relatar o que se passa no plano divino. Ou semi-divino, porque se me envolve, não pode ser apenas Céu. 

Filho, nem sei como o descrever, porque o(s) plano(s) que movimentamos, e nos planos em nos nos movimentamos, são uma espiral que nos leva ao âmago, a um lugar em que somos forçados, e acabamos por aceitar, a compreender que nada depende de nós. Vou-lhe contar um segredo, que lhe peço guare só para si: este último ano e mais uns meses espremidos à saudade do tempo, ensinou-me mais, do que a muitas pessoas reincarnadas em muitas vidas. Eu sou milenar: na minha saudade, na minha tristeza, na minha agonia. Sou a Mãe das Mães, porque esta dor que nos dilacera as entranhas, é a mãe de todas as dores. Não existe dor maior. Mas, é precisamente nesta dor Maior que nos temos que reinventar, numa herança que se perde na bruma dos tempos. E o estranho, é que quando estou "comigo" e me visualizo, o meu rosto traduz as linhas de tempos felizes. Mas quando me olho ao espelho, vejo uma anciã, onde as lágrimas lavraram sulcos tão profundos, quanto indeléveis, tatuados a ferro e fogo na minha Alma. E, contudo, esta Alma sobrevive.

Quem sabe, porque fui capaz de dar à Luz um Anjo. Tanto quando o trouxe para o plano terreno, como quando o entreguei ao divino. Fui dor duas vezes, uma no corpo, outra na Alma. 

E cá estou. E o trabalho, e as idas a Lisboa, e os quilómetros que faço aos encontrões, no meio de um ruído, burburinho gritante e incomodante, que a maioria dos Lisboetas,  os verdadeiros e os da periferia, já nem sentem, porque pertence ao seu quotidiano, mas que a nós, gente do campo, causa comichão na cabeça. E o tempo corre, corre, corre, na espiral que nos suga, e eu não me consigo virar entre falar quatro línguas ao mesmo tempo, conviver com dezenas - senão mais - pessoas, e o silêncio do meu campo, e as Dianas, e os animais, e tudo o que aqui me prende.

E tudo o resto que você sabe tão bem, porque me acompanha, e sabe as lutas que tenho travado, na procura incessante de tudo o que considero justo e correcto, debaixo de uma saudade, ainda nem aflorada, do seu avô, da Foxie, e de uma vida que nem parece que foi minha. Entendo agora o que sentem os velhos, um olhar para uma sucessão de dias que é tão longa, tão única, tão cheia de recordações, que mais parece um livro, do que um aglomerado de vivências reais, puzzle delicadamente montado numa pessoa, que ora se desfaz, ora se completa, numa paciência infinita! 

E nestas paciências, sobrevivemos. Trazemos connosco, num bolso debruado e mal alinhavado no nosso coração, os que estão no Céu. E no outro lado, noutro bolso, cosido com as linhas do Amor, levamos os outros. Os Terrenos. Os que nos obrigam a criar raízes.

E neste pairar, nesta vida (terrenamente divina? ou divinamente terrena?), existimos. E lutamos. E somos. 

E ouvimos...

...a Coruja. Que voltou. De uma forma diferente, mas voltou, a um Outono mais sábio, mais, muito mais dorido, muito mais dilacerado, mas também muito mais empoderado. A sua bisavó Loures costumava dizer: 

- "Si jeunesse savait, si veillesse pouvait" e é tão, mas tão verdade. 

Mas eu posso, porque me basta semicerrar os olhos, erguer a cabeça para o Céu e acreditar. E nessa crença inabalável que sempre tive, nascem-me as Asas. E sou Céu. E sei voar. 

E voamos, Pássaros Alados nas asas do Amor!

Mil beijos meu Filho, da sua Mãe que o adora,

Mami!




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