Meu adorado Martim,
Escrevo-lhe, pela primeira vez, da sala onde estive consigo pela última vez. Ainda o vejo, de calças beiges e de t-shirt verde, com aquele desassossego que o caracterizava. Lembro-me dessa última semana de Felicidade plena, como se de ontem se tratasse. Passou-se um ano e alguns dias, mas foi ontem! Toda eu sou saudade, mas não saudade rasgada, hoje sou saudade suavizada (na ainda incredulidade), mas na realidade de quem está noutro plano, meu Amor.
Sim, Bicho, estou em casa da Oma. Olho para a esquina, onde estacionou a sua moto - o seu orgulho e a minha premonição terrível - pela última vez. Todos os meus poros transpiram saudade. Mas, curiosamente, estou envolta em si. Sei que sou Una com o Universo, e que está comigo, num plano inexplicável, intangível ao comum do olhar dos humanos, mas muito vivo. Sei que você está comigo meu Filho, isso é inegável.
Já não pertenço a este plano, e digo isto com toda a convicção. Sei que a minha conexão com o Universo é inegável, porque a sinto, mesmo quando, aos olhos dos Outros, estou acometida de uma loucura total, que não é mais do que a sanidade de quem sente que está certo nas suas percepções. O Mundo é muito mais do que aquilo de que nos apercebemos, e nós, os privilegiados, sabemos que o Mundo que conhecemos, não é mais do que uma milésima do Universo. E nesse Universo, eu SOU. Sou consigo, sou em si, sou em nós, Tríade não santa, mas cúmplice, você a sua Oma e eu, somos. Estamos. Vivemos. E sei que você vive, não no plano material, mas no espiritual, porque aí (ou "aqui") somos.
Fui ao cemitério hoje. Abri a porta do jazigo e chorei mil lágrimas. Mas no meio dessas lágrimas repletas de saudade, e como NADA acontece por acaso, encontrei o Senhor Luis, que me indicou o Senhor António, e as cortinas novas do jazigo, que desde Março me faziam uma comichão do raio, porque não estavam postas como eu idealizei, mas improvisadas, conheceram o seu lugar. Agora está tudo como eu queria. E eu sei que você está contente com isso.
Martim, como posso descrever isto? Não sei. Sei que estou ligada ao Universo, a si, e que sou envolta pela sua energia. Somos unos com o Universo se soubermos como haveremos de nos conectar. E conectar é largar TUDO, tudo e mandar aí para cima. Meu Filho, que grande, enorme, gigante ensinamento tem sido a sua partida.
ENERGIA...a nossa.
A Oma, do alto dos seus 78 anos, faz planos comigo nestas madrugadas, ela deitada na cama, porque os seus pés estão mega inchados, e eu, porque sou GRATA! Tão grata meu Filho, que já temos a logística toda delineada. Mas é preciso ter Fé, a que me acossa hoje e sempre, desde a sua partida, de que o Universo providencia. Para a maioria dos mortais enlouqueci. Sem dúvida que sim. Para mim, eu vivo num plano diferente, mas não menos real.
Eu sei. E sei que é possível, que quando acolhemos o Amor e a Gratidão, conseguimos transformar a dor em Amor. E esse Amor, essa chama vibrante enche-nos o coração e suaviza tudo. E ultrapassa a morte, porque a morte não é mais do que um estado de mudança de um plano (tangível) para outro.
A vida, como a conheci, não existe mais, é uma quimera de acontecimentos entrelaçados no tempo e no espaço: ela é hoje um aglomerado de sinais, num plano ao qual eu já não pertenço, porque parte de mim é Universo. É dificílimo de explicar, porque - lá está - raia a loucura. Mas dentro da (in)sanidade dessa loucura eu sou, e sou consigo. E consigo eu sou. E consigo. Consigo superar a dor, porque percebi que nada é o que parece, e o Universo não tem fim, nem princípio. Somos no Universo. Embora eu não saiba quem sou, ou não o consiga definir. Parte de mim está no plano terreno, a outra, bem, e outra é energia. Somos nós, aqueles nós para sempre entrelaçados, num laço invisível, conquanto tão forte, que atravessa o tempo e o espaço. E nesse nós, nesses nós que não se desfazem, eu sou.
Sou Gratidão meu Amor, sou Amor, sou Mãe. Sou tudo, sou nada, sou um átomo, sou um Universo, sou chama, sou saudade, sou tudo. Sou noites sem dormir, sou criação, sou o princípio mas não o fim, porque o fim é o princípio. Sou abençoada. Isso sei que sou.
Martim, as velas ardem até ao fim, até esgotarem os seus pavios, para iluminarem, num eterno adeus, as noites escuras, aquelas noites de pesadelo porque de uma saudade sem fim, mas onde sabemos que a alvorada irá irradiar, primeiro em tons tímidos, depois em cores fortes, as madrugadas, até sermos estrelas.
Filho, tanta, tanta, tanta gratidão!
7!
Estamos juntos, nos sinais que me envia, para me manter com os pés aqui, porque me mostra que o meu coração está aí! Mil Vidas meu Filho, mil vidas que vivi consigo, mil aventuras, mil recordações, cem premonições (ou será "sem"?)
"Cause I don't need a reason, or someting to believe in, your eyes let me know, like footsteps home, I will follow"(...) no there is no more screaming, I'm silencing the demons, your eyes let me know, like footsepts home, I will follow!"
Gratidão meu Amor!
Mil beijos da sua mãe que jamais o esquece,
Mami
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